quinta-feira, 12 de novembro de 2015

LÊDO IVO | Os poetas da Academia Brasileira de Letras


A fundação da Academia Brasileira de Letras, em 1897, foi iluminada pelo esplendor do Parnasianismo. Entre os seus fundadores figuram grandes artistas do verso, como Olavo Bilac, Alberto de Oliveira e Raimundo Correia, e grandes artistas da prosa, como é o caso de Machado de Assis (também excelso artista do verso, com a sua ardilosa competência formal), Joaquim Nabuco, Rui Barbosa e Coelho Neto. São todos eles integrantes de uma grande geração literária e política que, com a nitidez de seus talentos pessoais e o cunho específico de suas manifestações artísticas, se vinculava à doutrina vigente na época – uma doutrina em que a arte se convertia numa espécie de religião e impunha aos seus sequazes um compromisso com a beleza e a durabilidade.
Os sonetos de Bilac, Alberto de Oliveira e Raimundo Correia e a prosa em que Machado de Assis se esconde de si mesmo, e a si mesmo, num esplêndido processo de emascaramento pessoal, hão de simbolizar, para sempre, esse tempo ditoso da literatura brasileira, em que esta, após as explosões e efusões do Romantismo, exprimia o seu amadurecimento dentro dos preceitos de um Parnasianismo e de um Realismo regados pelas águas de incontáveis riachos obscuros.
Um século transcorreu. Neste momento fronteiriço, em que a luminosidade do dia se converte em sombra e incerteza, podemos permitir que nos assalte a ilusão de que estamos ainda em 1897, e a Academia Brasileira de Letras está nascendo, como uma construção da tarde ou uma promessa da noite. Na topografia difusa, as sombras se esclarecem, os rostos se destacam e suscitam os reconhecimentos imperiosos. E podemos ver, nítidos entre nós, Machado de Assis, Olavo Bilac, Raimundo Correia e Alberto de Oliveira. E, menos perto, como referência de que a poesia é um sistema, uma partilha e um convívio, e não apenas uma hierarquia resplendente, estão Lúcio de Mendonça, Teixeira de Melo, Guimarães Passos, o turbulento Luís Murat, Medeiros e Albuquerque, Filinto de Almeida, Magalhães de Azeredo e Luís Guimarães Filho. Em torno da mesa do convívio, levanta-se o rumor de vozes e até de risos, o fluir de uma interminável conversa humana que é a nossa honra. Outros rostos se tornam visíveis. São os de Joaquim Nabuco, José Veríssimo, Sílvio Romero e Rui Barbosa. Afortunado momento este em que a literatura brasileira, por força da criação de uma Academia, de uma instituição que reúne tantas semelhanças e diferenças, o igual e o desigual, e se organiza como um tapete, com incontáveis fios de cor diversa, pode enfim exibir a fisionomia preclara que a conduzirá ao imaginário popular.
Tudo ou quase tudo que estava disperso foi reunido naquelas tardes de discussão e diálogo, e também de colisões escondidas. A nossa tradição literária emergiu da treva e do olvido com a vivacidade de uma aurora. A travessia do Romantismo para o Parnasianismo está presente nas obras matinais de muitos dos fundadores da Academia. Olavo Bilac escolheu Gonçalves Dias para seu patrono. O grande poeta, em verso e em prosa, que foi Machado de Assis também começou romântico para depois alçar-se aos cumes parnasianos de “A mosca azul”, “A última jornada” e dos versos finais a Carolina e projetar em seus romances a visão poética dos braços e das ancas das adúlteras imaginárias ou verdadeiras; e o registro desse começo é ter-se colocado sob o alto patronato de José de Alencar, o maior de nossos prosadores românticos.
O alagoano Guimarães Passos também recorreu a um romântico, Laurindo Rabelo, numa demonstração de seu apreço pela escola que lhe tinha ensinado algo de doce e mavioso que não se encontra em seus pares. Talvez nenhum outro poeta romântico, nem mesmo Álvares de Azevedo, tenha sabido traduzir, com tanta precisão e aflição, o sentimento daquela morte que impôs a uma geração a obrigação de viver uma vida apressada e antecipada, entre a produção de obras velozes e amores magoados, como esse esquecido Laurindo Rabelo, nestes versos que têm o sabor funesto de um epitáfio:

Sinto tomar-me o leme a mão da morte
E perto avisto o porto nebuloso
Chamado Eternidade.

O romântico Bernardo Guimarães, que, com o seu romantismo folhetinesco, chegou até o imaginário eletrônico dos nossos dias com o seu romance A escrava Isaura, que arrancou lágrimas dos chineses, franceses e cubanos, foi o patrono de Raimundo Correia, cuja perfeição formal abriga tanta musicalidade e fluidez. Sob o patronato de Domingos Gonçalves de Magalhães, o fundador do nosso Romantismo, colocou-se o jovem poeta Carlos Magalhães de Azeredo. Outro jovem, Valentim Magalhães, abrigouse à sombra e à luz de Castro Alves. Lúcio de Mendonça preferiu Fagundes Varela, e Teixeira de Melo inclinou-se por Casimiro de Abreu.
Nesse quadro em que os parnasianos em flor buscavam o patronato de românticos que às vezes mal haviam entrado em suas tumbas, houve um poeta que foi mais longe, no horizonte histórico, e se colocou à sombra de um árcade. É Alberto de Oliveira, que tem Cláudio Manoel da Costa como patrono; e em sua poesia, que celebra as serranias e árvores fluminenses e os céus ora azuis ora esbraseados de nossa pátria, lateja algo de arcádico que explica e justifica essa preferência, não fosse a complexidade formal e sintática que lhe dá um ar de parentesco.
Mesmo os prosadores escolhiam poetas românticos. Graça Aranha, que tinha fumaças de pensador, pendeu para um poeta cujo verso tonitruante se casava à reflexão filosófica. O sergipano Tobias Barreto foi o seu patrono.
A presença forte do Romantismo na elaboração da nossa memória acadêmica permite ao observador de agora recolher a evidência de que o movimento estético e existencial que dominou o século XIX, e decidiu a independência e a consolidação da nossa literatura, está longe de exibir uma fisionomia uniforme. Seja dito, inicialmente, que a teoria de que o Romantismo se exaure na explosão e no esbanjamento é uma invenção de críticos suburbanos e de professores repetitivos que são verdadeiros papagaios pedagógicos. A visão do poeta romântico descabelado pertence ao almanaque dos mitos burgueses. Poucas estirpes de poetas, no mundo, souberam pentear-se tão bem, apesar de suas infelicidades particulares e da exuberância de seus desabafos verazes ou mentirosos. As numerosas vertentes do movimento, que ocupou todo um século como uma visão existencial do mundo, repelem a cunhagem de uma efígie única dotada do poder de exprimir todas as tendências. Mesmo entre nós será sempre possível a identificação dos vários tipos de Romantismo: o romantismo soturno, noturno e até fantasmal de Álvares de Azevedo, iluminado pelas luzes da noite e pelo claro-escuro dos sonhos; o romantismo matinal e contudo estrelado desse poeta de comício e alcova que é Castro Alves; o romantismo sabiamente selvático de Gonçalves Dias; o romantismo nostálgico de Casimiro de Abreu, que caçava a infância como quem corre atrás de uma borboleta; o romantismo carnalmente suspiroso de Junqueira Freire; e, como um orgulhoso e solitário voo de águia, o romantismo imperial e imperioso de José de Alencar.
A presença da memória romântica ilumina, pois, a criação da Academia Brasileira de Letras. Poucos foram os fundadores que buscaram no nosso alvorecer literário os nomes que estavam à espera de uma ressurreição. Com efeito, apenas Basílio da Gama e Gregório de Matos representam, como patronos, o instante inaugural da nossa literatura. Anchieta foi esquecido e, com ele, Bento Teixeira Pinto, o poeta dessa insípida mas deliciosa Prosopopeia, que é o primeiro poema nosso a cantar a cidade do Recife. Também não foram lembrados José de Santa Rita, frei Manuel de Santa Maria Itaparica, o gongorino Botelho de Oliveira, cuja silva à Ilha de Maré é um verdadeiro e perdurável manjar de peixes e frutas tropicais. Desse esquecimento só se salvaram os árcades Cláudio Manuel da Costa (patrono de Alberto de Oliveira) e Tomás Antônio Gonzaga. Alguns deles foram, um ano mais tarde, ornar, como patronos, as cadeiras dos sócios correspondentes.
A omissão considerável e até escancarada da Academia nascente a tantos nomes seminais tem, porém, uma explicação e uma justificação. Diante dos seus fundadores, estavam a lição e o exemplo do Romantismo como movimento estético e até político atrelado à nossa Independência. Neles, e não nos poetas barrocos e árcades, reconheciam os nossos fundadores o sentimento da nossa diferença e a prova de nossa nacionalidade.
A lição estética dos românticos brasileiros, aparentemente tão assemelhados e todavia tão diversos, há de indicar ainda que cada poeta traz em si, nesse conúbio indestrinçável de conteúdo e de forma que é a sua voz pessoal, uma teoria literária que o distingue dos seus pares, e uma escola particular que o rodeia como uma aura. E a sua verdadeira herança é intransmissível, já que ele não pode transferir-se para os outros e ser os outros.
Em Machado de Assis, Olavo Bilac, Raimundo Correia e Alberto de Oliveira prolonga-se essa lição de diversidade e até de intransmissibilidade no cenário aparente da semelhança. Em todos vibra a nostalgia dos românticos que eles não foram ou deixaram de ser, uma vez transposta a fronteira diferenciadora. A transição do Romantismo para o Parnasianismo está presente em suas obras, e em cada um deles avulta uma matização diversa. Juvenilmente habitadas pelo indianismo gonçalvino e alencarino haurido em Chateaubriand e pelos desabridos queixumes amorosos, temperadas por tantas lágrimas que o tempo ainda não esfriou, as suas criações poéticas se renderam a novas musas e sereias. Ao verso doce e às vezes frouxo ou aparentemente frouxo, aos temas lacrimosos ou mesmo funéreos, ao sentimento da fugacidade da vida e da celeridade do tempo, à convicção da genialidade pessoal, foram sucedendo os emblemas que proclamam o império do Parnasianismo. Os navios traziam os livros de Victor Hugo, Baudelaire, Banville, Théophile Gautier, François Coppée, Heredia, Leconte de Lisle e tantos outros expoentes da nova escola que, na França, substituía o Romantismo. Os nossos poetas descobriram, então, a forma, com um bem maiúsculo. Ou, antes, assimilaram-na e a ajustaram à nossa língua, através de engenhosas ou rigorosas operações métricas e rimáticas.
O verso romântico brasileiro, que exprime com tanta graça e sedução o próprio falar e dizer nacionais, foi sendo substituído por um verso terso e até intolerante, segundo os preceitos hauridos na poesia e nos postulados versificatórios de Gautier e Banville. Ao abrasileiramento da nossa língua, juncada de tantos novos e incontáveis dengos e meneios com Alencar e Castro Alves, sucedeu um notável processo de relusitanização que só haveria de estancar com o surgimento do nosso segundo Romantismo, que é o Modernismo de 22. O sentimento da genialidade pessoal que caracteriza Álvares de Azevedo, Castro Alves, Casimiro de Abreu e Fagundes Varela cedeu passo e lugar ao sentimento do ofício constante e pertinaz que clareia a trajetória de Machado de Assis, Bilac, Alberto de Oliveira e Raimundo Correia. Os poetas deixaram de ser gênios para tornar-se ourives, estatuários, cinzeladores, buriladores, cepilhadores e marteladores de versos. O amor à vida e à natureza enxotou os temas lacrimosos. Às sepulturas frescas e aos amores não correspondidos, os poetas passaram a preferir o calor das alcovas e os segredos do adultério.
Os poetas parnasianos que engrandeceram a Academia se recusavam a morrer jovens, enveredando garbosamente pelas maturidades seguras e até pela velhice gloriosa, como é o caso de Alberto de Oliveira, que, nascido em 1857, morreu em 1937, meses antes de completar 80 anos; e, tendo estreado em 1878 com as Canções românticas, se tornou o mais impecavelmente parnasiano dos nossos parnasianos e chegou mesmo a bordejar o Simbolismo e o Modernismo nos seus derradeiros lampejos poéticos.
Já Machado chegou, de achaque em achaque, até os 69 anos. Olavo Bilac prolongou a sua glória e popularidade incomparáveis até os 53 anos. Raimundo Correia se finou em Paris aos 52 anos. Quanto a Guimarães Passos, também morreu em Paris, em 1909, aos 42 anos, não fosse ele o mais romântico dos parnasianos.
Na escola que impunha aos seus senhores e vassalos a doutrina da impessoalidade e da durabilidade – e também de uma impassividade muita vez belamente transgredida – e exigia que eles, em busca da perfeição da obra acabada e irretocável, fizessem poemas como quem esculpe e cinzela, conferindo-lhes a perduração das joias e estátuas, o alagoano Guimarães Passos ficou a meio caminho.
Palácio, fortaleza, laboratório e estuário do Parnasianismo e do Realismo, a Academia Brasileira de Letras prolongou por mais de meio século o império das posições estéticas presentes no momento de sua fundação. A correção gramatical à maneira lusitana e o verso medido e metrificado figuravam entre as cláusulas de seu regulamento artístico mesmo depois que, fruto de tantas buscas e fervilhações obscuras, o chamado verso livre já se tivesse irradiado no espaço de nossos procedimentos literários.
O primado parnasiano explica por que ela não acolheu o grande poeta simbolista Cruz e Sousa no seu quadro de fundadores, embora o seu nome tivesse sido lembrado ou cogitado. Deixou de recrutá-lo não por ser negro (pois o acadêmico José do Patrocínio, que se incumbiu de seus funerais, um ano mais tarde, também o era), mas por ser simbolista, integrante de uma tribo estética que suscitava a intolerância e até o escárnio dos parnasianos.
À nossa Academia também jamais ocorreu ir buscar outro grande poeta simbolista, Alphonsus de Guimaraens, entre as montanhas e o orvalho de Minas Gerais. Aos prógonos incômodos preferiu os epígonos afáveis ou prestigiosos. A corrente simbolista será representada por Félix Pacheco e Luís Edmundo. O dominador princípio parnasiano ficará sempre vigilante, na porta da nossa instituição, como um cão de guarda, ou um cão de mármore, sancionando a entrada de novos parnasianos, como Martins Júnior, João Ribeiro, Emílio de Menezes, Goulart de Andrade, Luís Guimarães Júnior, Amadeu Amaral, Alberto de Faria, Luís Carlos, Eduardo Ramos e Humberto de Campos. No caso de Emílio de Menezes, cabe acentuar que, apesar de seu parnasianismo ortodoxo, ele horrorizava Machado de Assis com a sua boêmia inveterada, desleixo na indumentária e ainda pelo seu desbocamento, que haveria de ser gulosamente imitado pelo modernista Oswald de Andrade, um de seus discípulos de botequim. Só em 1914, seis anos após a morte de Machado de Assis, logrou Emílio de Menezes entrar para a Academia. As boas maneiras, a cortesia, um desejável cuidado no vestir-se devem fazer parte do pecúlio literário dos que aspiram ao nosso convívio.
A herança parnasiana continuará vibrando na musicalidade e limpidez lírica do paulista Vicente de Carvalho, eleito em 1909, e do mineiro Augusto de Lima. Também estará presente em três poetas vindos do Nordeste: o paraibano Pereira da Silva, cujo parnasianismo se tingiu de tons simbolistas, e os pernambucanos Adelmar Tavares e Olegário Mariano. Esse último conheceu grande popularidade, era o mavioso poeta das cigarras.
Ano de uma revolução política, 1930 o foi de uma revolução literária nesta Casa, com a entrada do seu primeiro poeta modernista, o paulista Guilherme de Almeida. Mas, ao escolhê-lo, a Academia o fazia menos pela modernidade que ele exprimira na Semana de Arte Moderna do que pelos sonetos sentimentais do livro Nós, de 1917, marcados por um parnasianismo outonal. Guilherme de Almeida, que sabia grego e latim, e conhecia os nossos clássicos desde os cancioneiros, conciliava em seu modernismo uma ousadia métrica e rítmica que chegava até a sumária visualização cubista. Mas os graciosos tentáculos parnasianos abraçavam a sua obra, que prolongava o canto amoroso e carnal de Olavo Bilac.
Quatro anos depois, o segundo poeta modernista abrigado por nossa instituição vinha também de São Paulo. Era Ribeiro Couto. Em sua poesia, aberta a ritmos novos e atravessada pelo sabor e pela cor do Brasil, aninha-se um parnasianismo agonizante e ainda um simbolismo a cujas meiastintas se deu o nome de Penumbrismo. Ribeiro Couto conferiu ao alexandrino rigoroso herdado dos franceses uma ductilidade e uma doçura especiais. Eles parecem derreterse nesse poeta voltado para as confidências sentimentais e os jardins sob chuva.
Mas o estado de São Paulo ainda não estava satisfeito. Em 1937 fornecia à Academia Brasileira de Letras o seu terceiro poeta modernista, Cassiano Ricardo, autor de Martim Cererê e expoente da corrente nacionalista estampilhada de “Verde e Amarelo”. Ele também fora aquecido, nas primeiras aparições, pelo longo pôr-do-sol parnasiano. O convívio com a Geração de 45, portadora de atualizadas informações estéticas, propiciou a Cassiano Ricardo alargar o seu horizonte, numa renovação em que celebrou a vida das grandes cidades e os aparatos tecnológicos do nosso tempo.
O sol-pôr parnasiano iluminava a obra do quarto poeta modernista a ser eleito para a Academia, o pernambucano carioquizado Manuel Bandeira. A Cinza das horas (1917) é um campo de batalha ou um laboratório formal; nele se encontram e se conflitam o Parnasianismo, o Classicismo e o Simbolismo europeus que o poeta, tuberculoso, respirou nos ares altos e limpos dos Alpes suíços. Em 1922 Manuel Bandeira participara da Semana de Arte Moderna, não pessoalmente, mas por meio da recitação do seu vaiadíssimo poema “Os sapos”, no qual satirizava os poetas parnasianos e exaltava a figura desvalida do sapo cururu da beira de rio. O seu modernismo ora alegre e anedótico, ora pungente e aflitivo, não o impedira de ser, ao longo de sua vida de solidão e glória, um parnasiano nem sempre escondido, sem que deixasse de ser um inventor poético de primeira água. Mas a menção a Manuel Bandeira estaria incompleta se eu não acrescentasse que ele é um dos grandes poetas do nosso tempo e de nossa língua.
Em 1943, o poeta paulista Menotti Del Picchia era eleito para a Academia. Ele trazia no seu bornal poético o Juca Mulato, uma das obras-primas de nossa poesia nativista e um exemplo notável de variedade métrica e rimática – e ainda ousadas experimentações em prosa, como é o caso do seu romance O homem e a morte, que está a reclamar uma leitura iluminadora. Na obra inicial de Menotti Del Picchia, o parnasianismo se mescla a um simbolismo grandiloquente de quem, filho de imigrantes italianos, leu D’Annunzio. E há nela ainda a marca ostensiva do português Júlio Dantas. Outro italiano, o futurista Marinetti, influencia os poemas em que ele manifesta o seu modernismo ora aguerrido, ora vertiginoso, ora pitoresco.
Passaram-se então dezessete anos sem que a Academia Brasileira de Letras aquiescesse em admitir um poeta em seu convívio. E cometeu o maior pecado de toda a sua hoje centenária existência. Recusou-se belicosamente a acolher o grande poeta Jorge de Lima, várias vezes candidato ao seu ilusório reconhecimento.
Em 1960, aqui ingressava o poeta gaúcho Augusto Meyer. Outra luz ilumina a sua poesia: a de um simbolismo discreto e sussurrante. A autoironia se casa em seus versos à vivência dos pampas nativos. O sopro do minuano crepita em seus poemas. Os que sabem guardar as vozes de longe haverão de estimar e admirar sempre esse poeta fino e esquivo que foi também uma das mais consideráveis presenças ensaísticas do nosso país e escrevia, como acentuou José Lins do Rego, uma prosa de cristal.
O mineiro Abgar Renault, eleito em 1968, soma a perícia do sonetista que bebeu fartamente nas fontes clássicas e parnasianas e as lições do versolibrismo modernista; e uma acentuada reflexão filosófica cadencia o seu lirismo amadurecido.
Também em 1968 as portas da Academia se abriram para uma figura exponencial e emblemática de uma nova geração: a famigerada Geração de 45. Praticante de uma poesia inteiramente despojada de qualquer resquício parnasiano ou simbolista, o pernambucano João Cabral de Melo Neto haurira no modernismo ortodoxo, especialmente em Carlos Drummond de Andrade e Murilo Mendes, a retórica do verso livre e de uma abordagem visual da realidade. Após a fase inicial, em que é visível também a contaminação surrealista, a sua poesia metafórica e siblina recebe a influência seminal da poesia espanhola. O Recife e Sevilha são as duas referências geográficas e temáticas do poeta, que, na denúncia social de Morte e vida severina e na reflexão formal de Psicologia da composição, exibe as duas águas de sua poesia.
Outro poeta pernambucano, Mauro Mota, era eleito para a Academia dois anos depois. O sonetista de tom elegíaco não esconde o seu passado parnasiano, o qual convive com o herdeiro das lições do Modernismo; e a presença de sua terra natal, especialmente a cidade do Recife, documenta o seu regionalismo cheio de sol e luzes.
Igual sentimento nativo nutre o lirismo dos maranhenses Odylo Costa, filho e José Sarney, o primeiro eleito em 1968 e o segundo em 1980, ano em que a Academia foi buscar num mosteiro beneditino o poeta dom Marcos Barbosa, que nos trouxe uma poesia religiosa que é ao mesmo tempo uma inauguração e uma celebração do mundo.
Eleito em 1988, o poeta gaúcho Carlos Nejar é uma voz vinda do Sul, e que fala do Sul, de suas almas e utensílios, dias e noites, casas e plantas, nuvens e águas. A essa marca geográfica se acrescentam a inquietação metafísica e um fervor genesíaco expressos numa linguagem de claro teor metafórico.
Quando a Academia foi fundada, pelo menos dez poetas integravam o seu quadro de membros efetivos. Hoje, neste ano de seu centenário (1997), são apenas três os poetas da Academia, apertados, sitiados, e talvez sufocados e encurralados entre trinta e sete prosadores.
Essa escassez de vozes poéticas colide com o espírito de convívio estabelecido pelos que fundaram esta Casa para que, nela, os poetas fossem mais visíveis e mais respeitados.
A poesia brasileira não pode ocupar aqui apenas três cadeiras. Queremos ser mais. E que Deus nos proteja.


***

Do livro O Ajudante de Mentiroso | © Lêdo Ivo, 2009 | Publicado pela Educam, Editora Universitária Candido Mendes | Reproduzido com autorização do Autor. Página ilustrada com obras de Gonçalo Ivo.






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