terça-feira, 19 de julho de 2016

LEILA FERRAZ | Introdução ao pensamento mágico surrealista


A magia não é em si que uma vontade e esta vontade é o grande mistério de toda a maravilha e de todo o segredo: ela opera pelo apetite do desejo do ser.

Jacob Bohème

A Magia é a cultora do desejo que a torna além do bem e do mal, em uma esfera pertencente ao arrebatamento e à violação. O sentimento (ou melhor, a sensação) de poder que transforma o que tenho no que sou e lança-me a tudo que pareça estar contra o meu movimento.
A Magia é o estranho e o exterior transpassando as barreiras da representação da minha vontade para transformarem-se exatamente naquilo que não me pareça ou estranho ou me faça sentir exterior. Ou seja, é a introdução ao meu relacionamento com o mundo – a ruptura da vontade-razão, a sacralização do Amor.
Há uma queda de barreiras na atitude mágica fundamental que suprime a diferença entre os indivíduos - ou mais corretamente os elementos – criando uma vinculação de supremo saber, em se reencontrando a cada instante como parte de um sistema de realidades descritas nos domínios da proibição, do interdito, onde minha representação se mistura à integridade de um movimento de analogias.
Este arrebatamento ao secreto, antes de tornar-se poético, não pressupõe, de maneira alguma, uma atitude religiosa, apesar de que na Magia, o princípio secreto se assemelha ao da Religião, em tanto que “Oculto”, mas opõem-se nos pontos essenciais. Isto porque a Religião pressupõe um poder diferente ao do homem, do qual ele depende e a ele deve submeter-se.
Essencialmente natural, ele pertence à Magia, ao que é espontâneo, natural até, ao mal, mas onde o bem não lhe é contraditório, e sim um movimento de mesma intensidade e força, embora criando uma diferença básica: o sentido (em tanto que direção no espaço) oposto. Para Heráclito, o contrário é acordo, das discordâncias nasce a mais bela harmonia e tudo se torna uma luta.

DA ARTE E DO JOGO ENTRE OS MÁGICOS

Le genre mixte est le lien universal du mouvement. Si quelque innovation présente des difficultés, il faut pour les aplanir mettre em jeu le genre mixte qui achemine doucement et insensiblement. Nous savons observer cette règle en medicine; elle doit s’étendre à tout le mécanisme social.
Charles Fourier – De L’orgie de musée ou omnigamie mixte en ordre composé harmonique

“A Arte, desde a sua origem, é mágica porque ela constitui a projeção do desejo, do desejo que o mágico deve ‘bem’ representar no traço ou na palavra. (...) É mágica toda obra de arte capaz de instituir ou de fortificar a atitude mágica fundamental ou, em termos de ocultismo, a experiência das correspondências no próprio artista ou no admirador que a sinta, a compreende e que dela participe.”
Este é um processo lúdico universal, no qual os gestos, os traços, os movimentos atirados a um mesmo ponto de encontro cósmico voltam revestidos de desejos.
É a execução de agir, conforme as leis da intuição mágica nos revelam, inscrevendo-nos em pedras negras como caracteres faiscantes; esta insígnia do Mágico Alquimista Natural estabelece uma linguagem legível por caracteres íntimos e que correspondem ao processo de analogia e metáforas do qual me servi para estabelecer um primeiro contato entre os homens, entre eu e o universo e a minha mágica e os homens.
Antes de tudo é necessário fazer o pensamento falar (oralmente) no domínio do maravilhoso onde as manifestações intermitentes das frases incorporassem a criação ao aquém do que seria impossível trocar a palavra pelo ruído e este pelo gesto, numa insistência à visualização da própria imagem poética.
Já pressupondo uma eleição de valores e considerando a linguagem como forma de conhecimento e vinculação à realidade suprassensível e à intuição poética, a Mão, em tanto que instrumento do conhecimento táctil entre o homem e a natureza, faz parte do Mundo do Mimetismo, da Cabala Fonética e das manipulações eróticas.
A Mão coloca-se nos degraus das forças estelares, segundo os mágicos, como uma força mediadora entre o cérebro – o motor imóvel –, e ela própria – força ativa, pela qual o motor se movimenta. Em termos de caracteres manuais, a linguagem seria uma forma de conhecimento pertencente ao mecanismo do Espaço e este se submeteria à regência do Tempo. A palavra seria então no Tempo, o Espaço percorrido pela Mão através de um corpo infinitamente abismal – a Voz. Esta, segundo a tradição oral, é a extensão máxima do movimento da Mão no Espaço, portanto um instrumento com as características dos espongiários – força absorvível, dotada de elasticidade e percepção.







O pensamento Oral já materializado através da palavra, da escrita e da obra de arte, é o gesto da Voz dentro do nosso mecanismo de símbolos, a visualização da imagem poética que é o objeto criado… é o próprio ato de criação do objeto, que é o relacionamento entre a força do objeto em si e o poder de captação imaginativo inerente aos antecedentes mágicos do homem. A poesia, um quadro ou qualquer tipo de manifestação mágica são uma constante da afetividade em tanto que se considerem oníricos o pensamento e o seu revestimento aos sistemas de identidades e às imagens, como nos mitos – ponto de convergência mítica -, para onde se voltam e tornam a partir, elaborando incontáveis mitos nesse processo. Um segmento, no tempo, um discernimento do que é mais Primitivo, como a visão da atitude Surrealista, podemos dizer. Esta atitude, assim como o sagrado e o mágico, se propõe visando a própria existência envolvida por um fluxo de contatos! A diferença, portanto, entre o artista e o mágico é que o artista cria do caos ou de vários outros estados de consciência e o mágico transforma o criado. A passagem, justamente, da arte para a magia é a transformação. O que dá uma enorme carga de poder às forças invisíveis. Por outro lado, um fator de extrema importância ainda no mundo mágico são os sonhos – estado oposto ao da vigília, onde a forma natural, a do inconsciente, manifesta-se o mais intensamente possível – eliminando, assim, através dos símbolos, os obstáculos do tempo e do espaço, confundindo o sentido autêntico do mito em um existir ressonante!



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Leila Ferraz (Brasil, 1944). Poeta, artista plástica, ensaísta. Contato: leilaferraz2006@gmail.com. Página ilustrada com obras de Leila Ferraz (Brasil), artista convidada desta edição de ARC.

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Agulha Revista de Cultura
Fase II | Número 19 | Agosto de 2016
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