quinta-feira, 10 de agosto de 2017

GRACO BRAZ PEIXOTO | A terceira margem


Lançado pela gravadora Phonogram em maio de 1976, “Alucinação”, segundo Long Playing de Belchior trazia na capa e contracapa a concepção gráfica do cantor e compositor, fato que seguiria como uma terceira forma de expressão a ser incorporada ao seu trabalho, uma terceira margem de sua aventura artística que era finalmente encampada pelas regras da indústria cultural. Percurso que, a partir daquele ano, ao longo do registro de 11 discos autorais ele iria compor e palmilhar, até o ano de 2004, quando realizou seu último intento no âmbito da indústria fonográfica, um projeto radical em parceria com a Editora Caras, a publicação audaciosa de um objeto formado por dois CDs e um conjunto de desenhos envelopados em folha tripla.  Com as dimensões do antigo LP, “As várias caras de Drummond” trazia 31 retratos feitos por ele para o poeta Carlos Drummond de Andrade, impressos em lâminas soltas em papel couchê para acompanhar os 31 poemas de Drummond por ele musicados. A escolha do número 31 referia-se à data 31 de outubro de 1902, nascimento daquele que talvez seja o maior poeta brasileiro e com certeza um dos grandes de Língua Portuguesa. Trata-se de uma homenagem à altura do poeta mineiro, emulado em talento e arrojo, pois tanto na forma das canções quanto no tratamento musical a elas dado em tudo soava dissonante com a cartilha do sucesso musical, inclusive aquele sucesso de certo tom corporativo do PMPB, o partido cujos grandes nomes eram alvo de suas provocações lançadas com elegância e propósito. Não que fosse malsoante, mas discorde, na medida em que ali se estabelecia a priori uma diferença intrínseca: o fato de estar colocando melodias em textos escritos à distância da linguagem das canções. Para quem teve seu primeiro reconhecimento em âmbito nacional aos 27 anos, com a vitória da canção “Na hora do almoço” no IV Festival Universitário de Música Brasileira, promovido pela TV Tupi no Teatro João Caetano, é intrigante que seu desígnio final tenha retornado a Drummond, cuja poesia é integralmente identificada como o pano de fundo literário para a letra daquela canção. Naquele momento da carreira, tendo chegado àquela fronteira em que o cansaço com o “business” vai divisando do outro lado um “basta”, soa como um aconchegante reencontro. E soa também insólito o fato de que, se contarmos 1974 como o início de sua carreira com o disco “Belchior”, e, 2004, como o ano do último trabalho, voltando a Drummond, temos exatas três décadas de produção autoral. Deve-se destacar o autor dos arranjos feitos para aquele disco, Marcos Vinícius de Andrade, premiado regente e compositor de trilhas sonoras para o cinema, pernambucano de formação paraibana e radicado em São Paulo.
Na contracapa de “Alucinação”, chama atenção uma foto de perfil do artista. Alterada em alto contraste, a silhueta está deformada por buracos, como se víssemos o interior da cabeça tomada por rabiscos, grafismos em pastel e canetas hidrocor que simulam circuitos neurais, conexões cerebrais que passam a ideia da atividade ou da desordem mental que acomete as pessoas que passam por essa experiência. A arte evoca com clareza a figura de Jackson Pollock (1912-1956), expoente maior do Expressionismo Abstrato norte-americano, personagem cuja aura cresce com o tempo, acompanhada por um misto de heroísmo e drama.

MOTE E GLOSA | Tomando como mote esta arte da capa podemos descobrir pequenas trilhas, índices que podem nos levar a uma apreciação no campo da Semiótica. Várias são as acepções pelas quais podemos glosar esse fato. Primeiro, direcionaria o foco para a necessidade do autor das canções ser também o autor da capa. Não se trata apenas de uma veleidade artística. Não à toa, para assunção completa do trabalho ele estampa em cima do título e do seu nome o desenho de um escorpião, seu signo, figura marcada pelo ato extremo de matar a si mesmo se submetido à circunstância final. Em outras palavras, todo aquele ideário contido nas canções com textos discursivos, de uma crítica amarga com base nos elementos da realidade (“Minha alucinação é suportar o dia a dia / E o meu delírio é a experiência com coisas reais”) significava uma aposta sua de que “O novo sempre vem”, verso em que ele claramente punha em perspectiva os movimentos passados que haviam oxigenado a MPB – a Bossa Nova e o Tropicalismo –, este, àquela altura da Ditadura e estagnação cultural do país, para muitos convertido a uma diluição e alienação política, a um comportamento oba-oba. Além de pôr em perspectiva tratava-se também de uma provocação, como dito acima, pois àquela época havia toda uma nova geração de músicos e “cantautores” procurando espaço dentro das gravadoras. Não somente na música popular o país vivia um período muito fértil na produção cultural, mesmo que contra isso pesassem a Ditadura e a censura. O grafismo agressivo do escorpião dizia que sua aposta ia às últimas consequências, o fracasso do projeto de vida. Trata-se de um trabalho dotado também de visão ulterior, uma vez que em seu texto podia-se deduzir a intenção de forçar uma alteração no cenário subsequente à sua inserção. Tratando as letras como “Líricas”, costume adotado nas artes dos folhetos dos discos americanos, que remete de imediato a Bob Dylan, ele estampou os textos numa nota de 100 dólares e assinou seu petardo com a subversão da frase “In God We Trust”, usada na cédula americana, para “In Gold We Trust”.
Neste glosar, explorando aquelas significações e voltando às artes plásticas, seu trabalho na capa tinha ainda a função de inserir o autor numa categoria de artista popular pouco cultivada no Brasil, qual seja a de situá-lo numa tradição de artistas e intelectuais – na maior parte europeus – que têm inserção na cultura ilustrada, que cultivam estreita relação com as questões sociais e as outras artes, pintura, literatura, cinema. Em nossas conversas, era comum ouvi-lo falar da sua admiração pelos grandes escritores, pelos compositores franceses que marcaram o mundo com sua arte, especialmente na segunda metade do século XX, como Charles Trenet (1913-2001), autor da fantástica canção “La Mer”, poeta e escritor, além de excelente pintor; Serge Gainsbourg (1928-1991), ator, compositor, escritor e pintor; Georges Brassens (1921-1981), cancionista, também um grande cantor e figuraça simpatizante do Anarquismo, além de adepto do cachimbo e charuto; Léo Ferré (1916-1993), poeta e anarquista; Jacques Prévert (1900-1977), poeta e roteirista de cinema; Anthony Quinn (1915-2001), grande ator e pintor; Henri Michaux (1889-1984), poeta, escritor e pintor belga. Entrando no mundo do Rock, destacamos, entre os americanos, Bob Dylan (1941) e Joni Mitchell (1943), pintores desde sempre. Dylan dispensa comentários, é o gigante da cultura de massas que ganhou o Nobel de Literatura! Bardo americano, poeta que deu às composições populares um alto grau de realização, estrela de primeira grandeza. Joni Mitchell é poeta, compositora, cantora e pintora. A canadense tem suas pegadas no mundo da música pop marcando o folk com belas melodias e letras introspectivas, canções escritas com um vezo social e político. Seu primeiro disco é de 1968 e o Festival de Woodstock aconteceu em 1969. Era de ouro da música pop. Ela sempre se dedicou à pintura e a colocou em primeiro plano. Entre os ingleses, uau! Surge o arquiídolo de nosso autor, John Lennon (1940-1980). Lennon teve formação em artes ainda muito jovem e chegou a editar livros com seus desenhos. Belchior fez retrato para Dylan e Lennon. E tem ainda outro inglês, o barra pesada Ron Wood (1947), nada menos que o guitarrista dos Rolling Stones cuja primeira experiência nas artes foi com desenhos e pinturas. Wood chegou a ganhar uma competição de desenhos num programa da BBC ainda muito jovem, antes da música. Frequentou o Ealing Art College, onde seus dois irmãos haviam se formado. Wood pinta figuras emblemáticas do mundo pop em grandes dimensões. Vamos acompanhando esses fatos e entendendo que seu investimento nas artes plásticas é um gesto de filiação, de marcar uma referência.  No Brasil, admirava também todos os músicos e artistas que tinham na pintura uma atividade relevante. Gostava de Dorival Caymmi (1914-2008) e do genial Chico Anysio (1931-2012), mesmo que eles estivessem situados num contexto de pintura figurativa ou com tendências ao naïf, gênero em que apreciava as pinturas do francês Henri Rousseau, figura única na pintura. Mas não podemos deixar de dar destaque a Caetano Veloso (1942) e Raul Seixas (1945-1989), que tiveram também a prática do desenho como segunda arte. Aliás, eu seu artigo para o Estado de São Paulo sobre o Belchior, por ocasião de sua morte, Caetano conta que em seu último encontro com Belchior este lhe dera um quadro de presente.
Descendo a um terreno mais prosaico, lembro quando certa vez manifestou o desejo de reunir amigos músicos e pintores numa exposição que idealizava, em Fortaleza. Vê-se que suas pretensões como homem das artes não eram modestas. Dessa forma, a chance que tinha de ilustrar seu próprio disco não passaria em branco. 
Há muitos desenhistas e pintores que praticam essas artes com facilidade, diria que até com virtuosismo. Fazem retratos com talento, fiéis ao modelo, mas destituídos da tensão típica do criador, sem expressão. Entre acadêmicos e modernos, criadores de instalações e eventos fugazes os encontramos em bienais e salões de exposições. Porém, trabalham mais com a mão do que com o espírito. (Diga-se que isto não é pouco, pois Picasso, certa vez, falando de sua pintura disse que “A mão tem memória”, metáfora significativa.) Mas se o espírito é débil, tal aprendizado lega pouco mais que uma maneira de fazer. Diria que esses maneiristas atuam numa linha um pouco abaixo da ousadia, da originalidade. Protegidos das linhas traçadas segundo a emoção, das pinceladas aos gestos nervosos de quem topa correr o risco, como as de um Flávio de Carvalho ou um Iberê Camargo, eles não timbram pela expressão, que é aquela força quase indizível de uma arte realizada emitida em sua própria linguagem. Mesmo sendo um iniciante, como era Belchior à época do “Alucinação”, pode-se sentir naquela foto alterada pelo grafismo o timbre de uma arte dotada de valor, de algo atiçador, algo anímico a expandir o raio de atuação do disco.

AFINIDADES ESTÉTICAS, CONSTELAÇÃO DE ESTRELAS | Não há como escrever sobre esta terceira margem da obra de Belchior sem cotejar um pequeno leque de pintores que foram fundamentais para sua volição como artista plástico. Conhecê-los é conhecer também um tanto de seu caráter como cidadão e artista. Devo também dizer que, por ter tido com ele um convívio, este texto está mais próximo de um depoimento alimentado integralmente pela memória do que de um ensaio. De formação autodidata, estudioso da História da Arte, sua família pictórica começa com os criadores que nasceram entre fim do século XIX e a segunda metade do século XX. Podemos até marcar como data aquele ano de 1874 na Cidade Luz, quando os pintores que depois formariam o núcleo do movimento impressionista fizeram uma exposição improvisada no ateliê emprestado de um amigo, já que eram todos recusados pelos críticos. Entre os expositores estavam Auguste Renoir (1840-1919), Edgard Degas (1843-1917), Paul Cézanne (1839-1906), Claude Monet (1841-1926) e vários outros. Marco este assunto porque aquele evento, que não foi ignorado apenas por poucos amigos e um pequeno grupo de intelectuais revelou-se na História da Arte uma grande revolução. Belchior era muito ligado às transformações. Quando ele diz “Amar e mudar as coisas me interessa mais” (“Alucinação”), esse “amar” refere-se à necessidade de se conhecer algo a fundo, primeiro, para depois mudá-lo. Neste sentido podemos considerá-lo um iluminista, um cara sempre ligado em cultivar o espírito. Abordar essas coisas é jogar luz sobre o que ele produziu, conhecer melhor os artistas que lhe fustigaram a paixão, ter mais instrumentos para interpretar as influências que tais artistas tiveram sobre ele e o mundo da cultura.  Como dito acima, aquela imagem do disco, assim como muitos outros trabalhos que ele fez à época ( e que infelizmente não dispomos para mostrar) está ligada a Pollock e à action painting, tipo de pintura surgido na primeira metade do século XX em Nova York, abstracionismo que apareceu como fruto das incursões do Surrealismo, que acolhia também as experiências da pintura automática. Pollock até hoje é o seu exemplo de maior expressão. Segundo Giulio Carlo Argan (Arte Moderna, 1998) é o traço livre, a esmo, o dripping (gotejamento) como a negação da lógica, da representação, a busca por algo da essência. Além de filiada a essa corrente, podemos também adjetivar a capa do “Alucinação” como um objeto integralmente pop, em consonância como as músicas do disco, cujas canções tinham harmonias simples, compostas a partir de uma levada de violão folk e arranjadas com uma pegada de rock, mas que eram inteiramente circunscritas à modernidade, à vida da metrópole, à contemporaneidade, talvez a mais importante filiação estética de seu trabalho. Abraçar a modernidade foi ao longo de toda sua vida uma posição a priori, filosófica. Belchior jamais fez ou permitiu que alguém fizesse de sua origem nordestina algo fadado ao conservadorismo ou ao exótico. Desde seu primeiro disco pode-se constatar a modernidade como uma posição de partida. Além de citar os modernistas Bandeira e Drummond, tratou ali de registrar a canção feita aos moldes do que ficou conhecido como Concretismo, uma aposta arriscada, mas que resultou talvez na melhor experiência feita nessa área, com a música “Máquina I” e “Máquina II”, sua versão instrumental, com arranjo de Marcos Vinícius. O disco tem a cidade de São Paulo como cenário, homenageada com a canção “Passeio”, em que diz: “A eletricidade desta cidade me dá vontade / De gritar que apaixonado eu sou / Neste cimento, o meu pensamento e meu sentimento / Só tem o momento de fugir no disco voador”. Poderíamos citar várias canções em que deixa explícita sua opção por morar numa metrópole, por fazer parte da cultura de uma cidade que irradia a produção, seja industrial ou cultural para o resto do país. Em “Tudo outra vez” (“Era uma vez o Homem e seu tempo”, 1979) ele canta: “Sertão, olha o Concorde que vem vindo do estrangeiro/ O fim do termo “saudade” como charme brasileiro/ De alguém sozinho a cismar”. Ele se lembra de sua província, mas adverte para as coisas da modernidade. “Eu vou ficar nessa cidade, não vou voltar pro sertão” (“Como nossos pais”). Jamais citou a cidade de Sobral textualmente. Dele não se poderia nunca esperar qualquer manifestação no âmbito do bairrismo. Tirava sarro: “Pô! Esse negócio de ficar chorando, que quer voltar pro Nordeste, aahhh, eu vou pro meu lugar… É melhor comprar logo uma passagem!” Ah ah ah. Fazer a crônica carinhosa da província é muito diferente de ser provinciano.
Assim como não se encontra nenhum verso ou palavra colocados de forma gratuita em suas músicas, percebe-se que o uso do espaço gráfico, para ele, é igualmente precioso. O vermelho sangrado “acidentalmente” nas letras da capa do disco tem sua gênese no mundo da propaganda, das artes gráficas. Em seu trajeto criativo a capa e o encarte pertencem também aos quadrinhos, à Pop Art das estampas de Roy Lichtenstein (1923-1997), pintor americano que trabalhou a imagem das HQs, isolando um desenho para então lhe dar um tratamento artesanal, de uma “outra” pintura. Recorro a Giulio Carlo Argan, historiador da arte, crítico, ensaísta e político italiano (Arte Moderna, 1998) para resumir, com base em seu texto, que Lichtenstein marcou o mundo da pintura ao traduzir a imagem da HQ em outra linguagem, ao tratar uma arte industrial de baixo repertório e inseri-la em outro código, provocando uma reflexão sobre a cultura de massa. Ele acolhe o “american way of life” sem críticas, trabalhando os itens do cotidiano em contraposição à arte moderna, que valorizava a visão abstrata do artista. Belchior tinha interesse por essas questões relacionadas com a cultura de massa, com as artes e os ídolos do rock inglês e americano que tomaram de assalto o mundo ocidental e criou sua linguagem, cinema e literatura. Tinha muitos livros sobre a Pop Art, sabia fazer a crítica de sua estética originada e absorvida pelo universo da propaganda, de onde vieram vários artistas. Acrescento que Lichtenstein também fez esculturas soberbas. Diria que são totens com formação na linguagem gráfica, criados para a escala da metrópole.
Para compor também o quadro de suas afinidades, devemos chamar para a roda Andrew Warhola (1928-1987), ícone máximo da modernidade americana dos anos 1960, 1970, também publicitário, ilustrador, pintor, cineasta, com incursões até na literatura. Conhecido como Andy Warhol, é o polêmico e ousado criador da Mona Lisa do século XX – as serigrafias coloridas do rosto de Marilyn Monroe, assim como as serigrafias de vários outros ícones da cultura de massa: Liz Taylor, Che Guevara, Elvis Presley… Americano, filho de operários emigrados do nordeste da Eslováquia para os EUA, Andy Warhol alterou definitivamente a forma de reconhecer o belo. Recorro novamente à leitura de Argan (Arte Moderna, 1998) para obter o sumo que nos interessa. Segundo o teórico, como Lichtenstein, Warhol trabalhou como um técnico da informação, porém de forma um pouco mais crítica ao “american way”. Seu foco também está na cultura de massa, em seus ícones, com atenção na obsolescência, na repetição cansativa da notícia até seu esvaziamento, no seu impacto e dissolução na sociedade capitalista, que vive absorvida numa grande manchete de jornal, em um escândalo por dia, seja ele a pena de morte ou a queda de um ditador. Cito-o como um cronista da sociedade mercantil, ao contrário de Lichtenstein. Pois bem. Warhol abandonou as artes plásticas para se dedicar ao cinema; foi também o manager da banda Velvet Underground, que tinha como autor principal o cantor e poeta Lou Reed, figuraça do underground novaiorquino. Em boa parte era esse universo pop que compunha a fruição artística de nosso autor. Seus símbolos, objetos de desejo formavam a matéria prima de muitos textos. Vê-se como é difícil separar o compositor de canções do artista plástico. De uma forma ou de outra estão sempre imbricados. Para ilustrar sua paixão pelos signos da cultura americana cito versos de “Ondas Tropicais”, do CD “Baihuno”, música sua em pareceria com o talentoso compositor Caio Silvio Braz, em que recorda sua infância: “Na província… Hollywood / Eu era um Brando farsante / Na luz azul do cinema… / Descia sobre mim aquele feixe de luz / Outra Via-Láctea, escada de prata/ Subia à Capital: Mondrians, jazz, boogie-woogie, blues…”. Trata-se de um roteiro sentimental pela provinciana Sobral de sua infância, mas incluindo nele o cinema e citando Marlon Brando, além do quadro Broadway Boogie-Woogie, do neoplasticismo de Piet Mondrian, inspirado em suas primeiras noites de jazz clubs em Nova York.

ARS LONGA, VITA LONGA | Haveria ainda outros a glosar, entre os quais os pintores russos Wassily Kandinsky (1866-1944), cujas composições pictóricas ele gostava de decupar; Marc Chagall (1887-1985) e sua pintura onírica, e o pintor espanhol Joan Miró (1893-1983), que conseguiu voltar a ser criança. Tinha adoração por todos eles. Observe que foram todos longevos, fato que para ele representava uma curtição particular, lembrando sempre da frase dita por Miró: “Pintura é coisa para velhos!”, uma alusão à necessidade da prática, do domínio das técnicas que só vêm com o tempo. Talvez seja interessante também acrescentar sua admiração pelos artistas que conseguiam ficar bem velhinhos, um claro sinal de vitória contra as intempéries da vida. Sua paixão pela pintura o fazia encarar a coisa com pragmatismo. Lembro bem que certa vez me disse: “Gracão, eu não teria muito como desenhar, mas se eu praticar todo dia daqui a uns dez anos estarei arrasando!”. Com relação às artes plásticas, há que se notar uma diferença em sua postura. Diria que nessa área ele “trabalhava” com um sentimento inteiramente lúdico, voltado para o prazer. Não havia nada de social. Não acontecia como na música, sua fonte de sobrevivência. Era uma prática plenamente amadora. Bem humorado, sua predileção era desenhar rostos, figuras quaisquer, tipos onde se poderia notar algo de engraçado. Gostava de dar nomes aos tipos, enquanto podia lembrar velhos professores de seu tempo de criança no Liceu de Fortaleza, contar um episódio engraçado, uma maldade, uma brincadeira. A criação dos nomes para as figuras era outra curtição, geralmente uma zombaria pela originalidade dos batizados ou um comentário qualquer sobre a grandeza e a miséria da existência, sobre a “Divina Comédia Humana”. Ars gratia artis.
Lichtenstein e Warhol trabalhavam, a seu modo, parodiando ícones da cultura de massa. Cultivavam em suas peças um diálogo com outras escolas da pintura por meio de citações a grandes obras de outros pintores. Trata-se de um fenômeno usual nas artes, o referir-se e dialogar com outros artistas por meio de citações, quando a arte comenta a si mesma criando uma metalinguagem. O universo da pintura é pontilhado por muitos autores que fazem uso dessa prática. Aqui não poderia deixar passar o paralelo com Belchior, que também cultivava admiração pelos ícones do cinema, da música, da pintura. Fazia em suas músicas uso recorrente da criação de outros autores citando sem pudor versos, títulos de livros, de cinema, poesias, aforismos etc. Nas conversas, entre piadas e tiradas espirituosas de outros autores citava sempre uma frase que atribuía ao escritor, dramaturgo e jornalista irlandês George Bernard Shaw: “Não posso entrar para um clube que me aceita como sócio!”. Gargalhadas. Coerente com o que dissemos acima, geralmente seus preferidos eram os escritores e poetas europeus, mas em muitas canções podemos encontrar também o uso de títulos de livros e versos de poetas brasileiros, especialmente a dupla modernista Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade, e o grande João Cabral de Melo Neto, criador de uma linguagem própria devido ao rigor, exatidão e distância com que usava as palavras. Observando o corpus de sua produção, esse fato se dava de forma tão frequente que muitas vezes se assemelhava ao processo da collage nas artes plásticas. Pode soar redundante, mas isto só era possível por ser ele possuidor de um vasto repertório intelectual, fato que é responsável diretamente pela qualidade e alto calibre criativo de seus trabalhos, tanto na música como na pintura. Aqui rapidamente abro parêntesis para rápida digressão. Defendo a ideia de que Belchior, Caetano Veloso e Chico Buarque formam um relevante triunvirato de autores cuja produção letrística e literária extravasou o âmbito da acepção puramente cancionista, musical. Isso se deve ao fato de que os três são poetas de muitos recursos, bem acima do universo que caracteriza a criação na canção popular no Brasil e no mundo. Nos EUA, por exemplo, poderíamos traçar um paralelo com a presença da obra de Bob Dylan. Diria ainda que, dos três, analisando as obras num voo panorâmico, não acadêmico, Belchior com sua “word music” está situado no extremo mais pop, mais roqueiro. Isto porque, quando se trata da crítica social e política, Belchior afia suas palavras de forma mais direta e contundente, mais irônica e sarcástica. Por exemplo, em “Dandy” (“Melodrama, 1987”): “Mamãe, quando eu crescer, eu quero ser rebelde/ Se conseguir licença do meu broto e do patrão/ Um Ghandi dandy, um grande milionário socialista:/ De carrão chego mais rápido à Revolução!”. Caetano parece apresentar suas canções a partir de uma perspectiva de brasilidade que deseja construir um país mais moderno, menos careta e mais altivo, e nisso mantém intacta sua postura tropicalista, irreverente, sempre no front. Chico, grande melodista, escritor e poeta, essencialmente um mestre, situa-se num ambiente onde musicalmente há menos atrito devido sua formação e identificação com o universo do samba. Cada um deles extremamente político, à sua maneira. Um luxo para o país. Quando falo de múltiplos recursos me refiro à qualidade do repertório e o talento para uso do mesmo. Cito o trio, ainda, do ponto de vista da quantidade produzida e da manutenção da força criativa ao longo da obra, do trabalho que resiste à análise do tempo. Ao ser dotado de uma formação de alto repertório, Belchior, por sua forma peculiar de usar esses recursos e por suas preferências, acabou criando uma obra de peso em forma e conteúdo. Trago mais uma vez, para reforço dessa tese, a lembrança de poucas, porém boas provocações que ele fez aos grandes da MPB em suas canções, incluindo entre eles também Gilberto Gil.
Neste ponto, devo acrescentar que estou apenas tangenciando um aspecto tão complexo quanto determinante para a análise do discurso nas canções de Belchior, fenômeno que foi estudado a fundo e com brilhantismo pela professora de Linguística, radialista e pesquisadora Josely Teixeira Carlos em sua tese de doutorado na USP, trabalho desmedido, que analisa o diálogo polêmico instaurado por Belchior com artistas da MPB do quilate de Caetano, Chico, Roberto, Raul, dentre outros. Você pode chegar a ela por este link: www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8142/tde-07102014-121114/pt-br.php A tese escrita por Josely Teixeira (que prossegue o seu trabalho de mestrado no qual traça um largo painel dos investimentos interdiscursivos e metadiscursivos nas canções de nosso autor, do diálogo que ele cria com as outras artes e com sua própria: www.repositorio.ufc.br/bitstream/riufc/8767/1/2007_dis_jtcarlos.pdf) traz contribuição decisiva à obra de Belchior, cuja presença em fortuna crítica é ainda pouco estudada e difundida. Trata-se de um trabalho que visa à completude da análise de sua obra, com o mérito de apresentar ao público o verdadeiro lugar que Belchior ocupa na música e na moderna cultura brasileira. Isto não é pouco. Aliás, trabalhando dentro de um “Universo da emoção barata”, como ele se referia com frequência ao mercado musical e às canções sempre em voga nas rádios, Belchior por mais de uma vez deixou claro para aqueles críticos desatentos, por ignorância ou por implicância com seu “canto torto”, que sabia qual era o seu lugar. Deve-se destacar que o território cultural onde vicejam os sucessos de artistas efêmeros, hoje muito menor pelo expressivo encolhimento da indústria do disco, não é dado a abrir espaço para criadores que pautam suas presenças numa clave acima da mesmice. Nesse quadro causa surpresa o sucesso de Belchior nos anos 1970 e 1980, uma figura sem a embalagem adequada à TV e ao “show bizz”, que conseguiu por meio de sua poesia marcar a história de sua geração, talvez até de gerações. Depois de sua morte, os shows, discos, bandas novas que se dedicam ao seu repertório, toda movimentação cultural em sua homenagem feita em programas de rádios universitárias, um deles na Rádio Universitária de Fortaleza, em que Josely Teixeira também ocupa espaço com a divulgação de sua obra indicam que ele deixou sulcos profundos. Cito também a aguardada biografia de Belchior, uma aventura tocada com paixão e muito fôlego prestes a ser concluída, com a qual Jotabê Medeiros, escritor e jornalista especializado na área musical traz para o centro das discussões a obra e a vida do bardo cearense. Soa oportuna a vontade de transcrever o texto de uma canção sua cujo título é exatamente “Conheço o meu lugar”, gravada no LP de 1979, com o belo título de “Era uma vez o homem e o seu tempo”.
“O que é que pode fazer um homem comum, neste presente instante / Senão sangrar, tentar inaugurar a vida comovida / Inteiramente livre e triunfante? / O que é que eu posso fazer com a minha juventude / Quando a máxima saúde hoje é pretender usar a voz? / O que é que eu posso fazer, um simples cantador das coisas do porão / Deus fez os cães da rua pra morder vocês / Que sob a luz da Lua nos tratam como gente, é claro: aos pontapés! / Era uma vez o homem e o seu tempo / Botas de sangue nas roupas de Lorca! / Olho de frente a cara do presente / E sei que vou ouvir a mesma história porca / Não há motivo para festa, ora esta, eu não sei rir à toa / Fique você com a mente positiva / Eu quero é a voz ativa, ela é que é uma boa / Pois sou uma pessoa / Esta é minha canoa, é nela que eu embarco / Eu sou Pessoa-a palavra pessoa hoje não soa bem, pouco me importa / Não, você não me impediu de ser feliz / Nunca jamais bateu a porta em meu nariz / Ninguém é gente, Nordeste é uma ficção, Nordeste nunca houve / Não, eu não sou do lugar dos esquecidos / Não sou da nação dos condenados / Não sou do sertão dos ofendidos / Você sabe bem, conheço o meu lugar”. 

DE MÃOS E IDEIAS DADAS COM PICASSO, DUCHAMP E MATISSE | Mas voltando à terceira margem, ocorre que tal como nas canções, Belchior também usava essa prática da paródia, da citação nos seus desenhos e pinturas. Como “Exercício espiritual”, como ele costumava brincar, também fazia muitas releituras, referências aos trabalhos dos mestres como forma de aprendizado. Para tanto, dispunha de muitos livros de arte para escolher as pinturas que serviriam de modelo com os quais “rivalizar”. Nesse caso, recordo a paixão que tinha por Pablo Ruiz Picasso (1881-1973), paixão que transbordava a pintura e se estendia à sua personalidade, sua fama de conquistador, sua postura que se impunha como homem de vanguarda. Para ele Picasso era o gigante entre gigantes. Diria que este é o pintor que mais o influenciou e está presente em seus quadros, seus desenhos. Se tivéssemos que escolher apenas um nome para falar do Belchior artista plástico este seria o do pintor, escultor, gravador, desenhista, ceramista, cenógrafo, poeta espanhol. Teóricos da pintura colocam Henri Matisse, Marcel Duchamp e Picasso como o trio que mais revolucionou as artes plásticas do século XX. Aliás, não podemos falar de Marcel Duchamp, ícone da vanguarda francesa e europeia, sem dizer que suas obras também estão citadas nas canções de nosso autor. Belchior conhecia tudo desse trio, mas era especialmente ligado a Picasso, sua fonte de estímulo. Não por acaso, estampou na capa do disco “Coração Selvagem” um desenho que alude ao touro de Picasso, que este teria feito com apenas quatro ou cinco anos de idade. E também, não por coincidência, para a capa de sua antologia “Auto - Retrato” (BMG, dois CDs, 1999) deixou-se fotografar com uma capa, alusão imediata ao famoso quadro “Autorretrato com capa”, que Picasso fez com apenas 15 anos. Conhecer os autorretratos que Picasso fez ao longo de sua vida, até o penúltimo ano (1972), com 91 anos, é uma bela viagem pelos movimentos e estilos desse pintor que marcou a história da pintura, que passou por todas as escolas, que acrescentou novas iconografias às artes plásticas, especialmente com os seus períodos azul, rosa e africano, e o cubismo, ao lado de Georges Braque (1882-1963). Não poderia deixar de apontar também a semelhança com o disco Self Portrait, lançado por Bob Dylan em 1970, disco duplo e também uma antologia dos sucessos reinterpretados. Em “Auto-Retrato” Belchior tem os arranjos feitos por grandes músicos, entre eles, por exemplo, Ruriá Duprat, o filho do maestro que concebeu os arranjos do Tropicalismo, Rogério Duprat. Grandes nomes, porém em várias músicas não o suficiente para evitar arranjos equivocados, desnecessariamente rebuscados e alheios em linguagem ao universo das canções do autor. Alguns parecem mesmo perucas musicais adaptadas às harmonias simples de suas composições.
Na capa do “Auto-Retrato” poderíamos dizer que ele está vestido como um pintor francês, com capa e chapéu. Pode parecer exótico para um cearense, mas o truque é perceber a coerência com o que ele desejava para si. Existe maior afirmação de autonomia e liberdade do que inventar a si mesmo? Ele está de perfil, fotografado contra uma parede inteiramente tomada por autorretratos de sua autoria - desenhos caricaturais e também pinturas. Comparando o número de pinturas presentes neste duplo CD, vemos que a esta altura da vida ele está bastante empenhado em dar voz, dar espaço à sua pintura. É um caso bem raro no cenário dos cantores e compositores do Brasil. Como nas capas de discos de Jazz, onde é comum encontrarmos retratos a óleo dos músicos, ele ilustra a capa do folheto com um autorretrato feito em acrílica, a Picasso, talvez o mais belo entre aqueles que conheci. O resultado é um objeto de extrema fineza. Os dois discos têm como títulos “Pequeno perfil de um cidadão comum” (Belchior/Toquinho), e “Pequeno mapa do tempo” (Belchior). Anterior ao último trabalho, “As caras de Drummond”, de 2004, em que as ilustrações de sua autoria estão na ideia central do trabalho, diria que ocupando o mesmo lugar da música, esta antologia, de 1999, mostra a evolução deste desejo de se apresentar como artista plástico. As pinturas e desenhos também têm destaque no libreto, compondo o layout com as fotos e as letras das músicas. No libreto vemos diversos autorretratos, inclusive uma foto com o close dos pincéis, lápis, canetas, tubos de tintas, instrumentos de trabalho em cima da mesa do seu ateliê / escritório. Durante o período de composições para o disco “Melodrama”, entre 1986 e 1987, por muitas vezes nos encontramos ali para passar as tardes, tocando, cantando, conversando e rindo com suas piadas, eu e meu querido amigo compositor Jorge Mello. Revendo o libreto, não posso me proteger dos mecanismos psíquicos involuntários, da lembrança instantânea que pinça uma sensação de perda, aquela sombria vertigem diante da impermanência. A foto em que ele está de costas para as estantes lotadas de livros, acendendo o cachimbo, me remete a um comentário que fez certa vez, quando fui visitá-lo, depois de uma viagem a Paris. Folheando os novos livros de pintura ele comenta: “Tá vendo, Gracão, foi com isso que eu gastei meu dinheiro”. A antologia do “Auto-Retrato” me força comentar ainda os textos de algumas canções que não se tornaram muito conhecidas, gravadas já naquele período de pouca recepção de seu trabalho. Falo de “Quinhentos anos de quê?”, parceria com seu amigo e compositor uruguaio Eduardo Larbanois, “Balada de Madame Frigidaire”, uma quase paródia sertaneja escrita com fina invenção e sarcasmo, e “Baihuno”, parceria com o talentoso compositor Francisco Casaverde, em que ele, como sempre fez em toda sua obra, trata o preconceito contra o Nordeste com verve e elegância capazes de fazer corar o mais envernizado portador da síndrome.
Por último, neste disco, devo comentar ainda sua paixão pela arte da caligrafia, arte que cultivou com um silêncio de monge por todos esses anos. Signo mais evidente do seu amor ao desenho e às artes gráficas. A história da caligrafia remonta à história das civilizações e constitui um conjunto de técnicas dedicadas à “bela escrita”, o seu significado em grego (Mediavilla, 2005). Nesta acepção nosso compositor surge como uma personagem do romance de Umberto Eco, O nome da rosa. Era um prazer ouvi-lo falar sobre o assunto, sua variada gama de estilos, a romana, a gótica, passando por 26 alfabetos caligráficos. Trata-se de um mundo riquíssimo com nomenclaturas, ferramentas e técnicas que ele provavelmente conheceu por meio de livros antigos, especialmente os religiosos, desde sua época de adolescente como seminarista da Ordem dos Capuchinhos, na Serra de Guaramiranga. Existe a caligrafia islâmica, a persa, a nepalesa, indiana, tibetana… Seu nome grafado na capa pertence ao estilo “Chancelaresca”, usado pelos italianos. Os primeiros modelos impressos desta escrita foram feitos por volta do ano 1522 e têm sua origem entre os apostólicos da chancelaria do Vaticano. Belchior não logrou nas artes plásticas o mesmo sucesso como compositor e cantor. Sua relação era de fruição, não de profissão. Não era um desenhista nato, mas fez de seu desenho uma arte com linguagem própria. Com gestos rápidos, característica dos intuitivos, achou sua expressão pintando e desenhando rostos. Sobre exposições, conheço as que ele fez em Fortaleza e São Paulo. O fato de não querer se desfazer das pinturas ou desenhos corrobora o que digo. Não vendia seus quadros. Presentear algum amigo com um quadro ou desenho era coisa rara. Às vezes, ele fazia troca com outros pintores. Possuía uma vasta coleção particular de grandes pintores brasileiros, de quadros comprados ou presenteados a ele ao longo da vida. Tão numerosa que não havia espaço no sobrado ateliê para tantos quadros, que se amontoavam ainda mais a cada chegada de suas viagens. Nelas, sempre fazia contato com os pintores, aos quais “encomendava” um retrato dele mesmo, uma forma de sedução que o cantor famoso praticava. Esse hábito gerou um acervo incrível de retratos dele, muitos feitos por grandes figuras do meio como Siron Franco – uma pintura estupenda que ele usou no encarte de um disco. Vários desses retratos foram usados como capas de discos de coletâneas de seus sucessos. Arrisco-me a dizer que se relacionava mais com os pintores do que com os músicos. Recordo com prazer de sua cortesia, ao me levar numa visita à casa e ateliê de Aldemir Martins, no Sumaré, uma tarde especial na companhia de um pintor e desenhista extraordinário. Pintura era mesmo coisa para velhos…
Há que se cuidar de todo esse acervo deixado, pois ele era muito organizado, não perdia nada. Deve haver uma quantidade grande de trabalhos que precisam ser preservados e exibidos. Pensando nisso, me veio a ideia de sugerir ao governo do Ceará a criação do Instituto de Artes Belchior. Um local de exposição e produção de shows, de palestras, de gravações etc., a ser mantido pela Secretaria de Cultura do Governo do Estado. Vamos nos apropriar de sua arte, pois ela nos representa. Precisamos nos apropriar de nossa produção cultural, amar e mudar as coisas que desejamos mudar. Proprietários de rádios e programadores sabem que é pouco termos somente o valioso trabalho da Rádio Universitária, independentemente de qualquer argumentação viciada e conformista de caráter comercial.
Josy Teixeira tem um texto delicioso em que fala de sua amizade com Belchior por meio de seu interesse em aprender o Latim (http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2017/05/1881552-arquivo-aberto-aulas-de-latim-com-o-professor-belchior.shtml), que ele conheceu provavelmente com o canto gregoriano e cultivou desde o tempo em que conviveu com os frades. Conta quando ele a presenteou com uma Gramática de Latim, uma publicação pouco encontrada e tida como a melhor do gênero. Pensando em terminar com o latim, encontrei uma frase que ele aprovaria com toda certeza. Usada em ocasiões e até em textos de canções ela é atribuída a Hipócrates, o conhecido arquiteto e médico grego: “Vita brevis, ars longa, occasio praeceps, experimentum periculosum, iudicium difficile”. Lá vai: “A vida é breve, a arte é longa, a oportunidade é passageira, a experiência é perigosa e o julgamento, difícil”.


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Zé Ramalho e Belchior | 2000 www.youtube.com/watch?v=byry3g9xxsM


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Organização a cargo de Floriano Martins © 2017 ARC Edições
Graco Braz Peixoto (1955) é compositor, parceiro de Belchior em 14 músicas.
Artista convidado | Belchior (Brasil, 1946-2017)
Foto © Maria Luiz Thompson
Caricatura © Bel Mattias
Imagens © Acervo Resto do Mundo / Acervo particular Jorge Mello
Agradecimentos especiais a Graco Braz Peixoto, Jorge Mello e Josy Teixeira
Esta edição integra o projeto de séries especiais da Agulha Revista de Cultura, assim estruturado:

1 PRIMEIRA ANTOLOGIA ARC FASE I (1999-2009)
2 VIAGENS DO SURREALISMO, I
3 O RIO DA MEMÓRIA, I
4 VANGUARDAS NO SÉCULO XX
5 VOZES POÉTICAS
6 PROJETO EDITORIAL BANDA HISPÂNICA
7 VIAGENS DO SURREALISMO, II
8 O RIO DA MEMÓRIA, II
9 ACAMPAMENTO MUSICAL

A Agulha Revista de Cultura teve em sua primeira fase a coordenação editorial de Floriano Martins e Claudio Willer, tendo sido hospedada no portal Jornal de Poesia. No biênio 2010-2011 restringiu seu ambiente ao mundo de língua espanhola, sob o título de Agulha Hispânica, sob a coordenação editorial apenas de Floriano Martins. Desde 2012 retoma seu projeto original, desta vez sob a coordenação editorial de Floriano Martins e Márcio Simões.

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