quinta-feira, 10 de agosto de 2017

JOSUÉ MARIANO | Uma conversa com Belchior


JM | Estamos aqui com o cantor e compositor Antônio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes, popularmente conhecido como Belchior, mais um dos nomes da MPB que não pode ser esquecido. Belchior, é um prazer tê-lo aqui conosco!

B | Ė um prazer está aqui, conversando sobre música popular, sobre a vida de artista, é sempre muito importante poder confirmar o poder, a força e o prestígio da música popular.

JM | Conte pra gente como você começou a se interessar por música.

B | Eu nasci na cidade de Sobral, uma cidade ao norte do estado do Ceará… numa família nordestina típica.  Meu avô tocava um pouco de sax, de flauta. Minha mãe cantava no coro da igreja, ouvia o serviço de alto-falante, o rádio do vizinho, as bandas de músicas que passavam pelos arredores da cidade… e daí me veio o gosto pela música, o gosto espontâneo, não profissional. Só depois já na universidade, na escola de medicina da Universidade Federal do Ceará, que eu cursei durante 4 anos, eu me interessei profissionalmente por música, durante o período do movimento estudantil, quando a universidade tinha os Das muito ativos e onde se ouvia muito a música popular brasileira tradicional e aquela que estava se fazendo no momento. Música do Chico Buarque, do Edu Lobo, do Caetano Veloso, do Milton Nascimento, Gilberto Gil enfim essa geração que deu continuidade a bossa nova e que criou a moderna música popular brasileira e a tropicália.

JM | Como surgiu a primeira canção?

B | Quando eu vim de Fortaleza para o Rio de Janeiro inicialmente, eu já trazia uma bagagem grande de composições. Todas elas inéditas e que eu esperava me desse uma oportunidade de apresentá-las no Rio para gravação, àquela altura dos discos. Eu participei então, assim que eu cheguei no Rio, do Festival de Música Popular. Festival bastante vivo, do qual saíram: Gonzaguinha, Ruy Maurite, Alberto Bland, teve participação de Alceu Valença, enfim, João Bosco,  Aldir Blanc, tantos outros que àquela altura estavam começando a brilhar no cenário musical. Eu ganhei esse festival com a música na “hora do almoço” e na verdade aí que começa publicamente a minha carreira, embora já fortaleza eu tivesse trabalhado durante três anos na televisão, como produtor de um programa musical “porque hoje é sábado”, sob a direção do Gonzaga Vasconcelos, de que saímos todos nós, eu Fagner,  Amelinha, Petrúcio, Fausto Nilo,  enfim todos os que depois compuseram a chamada geração cearense.

JM | A primeira canção foi então, “Na hora do almoço”?

B | Foi “Na hora do almoço” a primeira canção gravada, foi no primeiro disco ainda um compacto simples, àquela altura, que eu gravei a música com arranjo do Eduardo Souto Neto, que também foi o arranjador oficial do festival.

JM | Em que ano foi isso?

B | Isso no começo da década de 70

JM | Fale um pouco sobre sua família.

B | Bom, a minha família é uma família nordestina típica. Nós somos 23 irmãos em casa, o grande desejo do meu pai era que todos nós pudéssemos estudar, naturalmente, e eu estava definitivamente encaminhado essa coisa da Escola, da universidade. Eu estudei boa parte da minha vida em colégio de padre, depois estudei também no mosteiro de Frades Franciscanos, onde aprendi gregoriano, aprendi latim, tive uma educação humanista típica, religiosa também. De tal forma que aí eu já me interessei muito por música porque eu fazia parte do coral, escrevia algumas letras de hinos religiosos para serem cantados nas festividades estudantis, e eu acho que isso foi assim… modelou um pouco meu sentimento com respeito ao amor à música.

JM | Quantos discos gravados, o primeiro e o mais recente?

B | São 23 discos gravados, 13 deles, lançamentos com canções novas, tem 5 ou 6 gravados ao vivo na pauta mais acústica, tem um disco com traduções da minha música em espanhol e em algumas antologias que eu acho assim importante citar como fazendo parte da discografia porque muitas delas foram lançadas foram feitas especialmente para ser lançadas no exterior.

JM | Qual o foi o primeiro disco que você gravou?

B | Primeiro disco é um disco que foi gravado pela Chantecler chama-se Belchior a palo seco. E é um disco muito importante pra mim embora não tem feito muito sucesso, porque foi o disco fonte. Dali, nos discos seguintes, eu gravei várias canções que apareciam nesses primeiros discos e que depois chegaram a fazer sucesso, como é o caso de “Na hora do almoço”, “A palo seco” e “Todo sujo de batom”.

JM | Mais recente?

B | É o Auto-retrato. São 25 canções gravadas no CD duplo pela BMG, no qual eu fiz espécie de apanhado das melhores canções da carreira… são regravadas numa pauta bastante contemporânea. Ou seja, aqueles arranjos que com os quais, eu teria feito as músicas se tivesse que gravá-las pela primeira vez agora.

JM | Como foi a elaboração desse álbum?

B | São dois CDs com os temas que se compõem entre si. O primeiro, pequeno perfil do cidadão comum, eu tentei traçar o perfil do artista. É um lado mais individual vamos dizer assim… Uma espécie de retrato do artista. E o outro pequeno mapa do tempo, é um retrato do mundo. Aquilo que como se estivesse tentando dar um perfil… um panorama da vida e do mundo que me cerca.

JM | Quanto tempo de carreira artística?

B | São mais de 25 anos, naturalmente eu tenho que contar mais a parte de sucesso, porque a parte do fracasso… a parte da tentativa, é também bastante grande, vem desde os bancos da escola.
JM | Qual o tema básico de suas músicas, onde você busca inspiração?

B | O tema básico da minha música é o espírito da minha geração, a vida cotidiana do cidadão comum, …é uma tentativa de retratar do modo bastante característico, individual e pessoal, a vida do homem brasileiro do meu tempo, de tal forma que a fonte de inspiração continua sendo a observação direta e imediata da vida mesmo. Numa linguagem coloquial e naturalmente expressivamente cantada em português.

JM | Você compõe sozinho ou tem influência de outros artistas?

B | Bom, a maior parte do meu trabalho é feita assim por mim mesmo, letra e música, embora eu tenha inúmeros parceiros. Nesse caso dos parceiros eu tenho feito a letra e eles próprios têm colocado as músicas, como é o caso de Gil, Toquinho, Fagner, João Bosco, Petrúcio Maia, e tantos outros com quem fiz parcerias assim…posso dizer não muito contínuas mas algumas delas de bastante sucesso como é o caso da música “Mucuripe”, feita com Raimundo Fagner e que… foi cantada por Elis Regina, Roberto Carlos,  Nélson Gonçalves e tantas outras pessoas.

JM | De todas as músicas que você gravou até hoje, quais mais gosta e identifica com seu lado pessoal?

B | Músicas como “Apenas um rapaz latino-americano”, “Como nossos pais”, “Paralelas”, “Medo de avião”, “Comentário a respeito de John”, “Divina comédia humana”, “De primeira grandeza”, “Galos, noites e quintais”, que fazem parte hoje não apenas do núcleo mesmo central do meu trabalho, mas são também aquelas que me oferece uma ponte bastante fácil e rápida com público. Devido ao grande sucesso que elas conseguiram ao longo do tempo.

JM | Tem um disco seu, intitulado Cenas do próximo capítulo. Nele você regravou a música de Raul Seixas, “Ouro de tolo”. Seria uma homenagem a ele ainda em vida?

B | Esse disco é de 1984, e eu sempre fui muito ligado ao trabalho do Raul.  Acho que continua sendo ainda hoje um dos trabalhos mais expressivos de determinada faixa do rock brasileiro do espírito do rock brasileiro, de tal forma que cantar aquela música era estar ao lado de um parceiro de um grande compositor uma pessoa com quem fiz várias vezes trabalhos especialmente em Fortaleza, e que naquela música, por exemplo, tem uma proximidade muito grande com a minha dicção, com meu modo de cantar com as ideias todas do meu trabalho uma proximidade com a música do Bob Dylan, por exemplo né, que nesse caso eu fui  acho que… influiu tanto no meu trabalho quanto no dele.

JM | A música que você fez, “Em resposta a uma carta de fã”, foi um fã mesmo que escreveu? Conte pra gente como foi?

B | Olha… a música embora seja ficcional, é assim baseada em algumas cartas que recebi de diversas pessoas. Dentre as muitas cartas que recebo de fãs, alguns pedem explicações ou assim interpretações de determinados textos e então resolvi fazer uma música sobre isso. Uma tentativa de resposta romântica e genérica assim também, ao que era interrogado nas cartas.

JM | Qual o critério que você utiliza para gravar um disco?

B | É mais o critério da continuidade, do meu esforço criativo, é mais o momento de liberdade de criação e de expressão. Como eu não faço um trabalho imediatamente voltado para o sucesso, o sucesso assim imediatista, eu uso como critério para escolha das canções, para própria feitura delas, o critério mais artístico mesmo. Mais expressional, mais poético. Desligado dessa questão do rádio, da televisão, onde se a música vai fazer sucesso ou não. Eu me preocupo realmente com o exercício do meu ofício, de artista e de cantor. E se a música fizer sucesso, vem por acréscimo.

JM | Como é seu envolvimento com a mídia, Gravadora, Rádio e TV?

B | Hoje eu tenho a minha própria companhia de discos. De tal forma que eu não tenho problema nessa área. Eu gravo o que quero, e quando quero. Tenho meu próprio estúdio também. De tal forma que nesse ponto de vista criativo, eu estou perfeitamente à vontade para fazer o disco que desejo fazer, sendo responsável inteiramente pelo sucesso ou fracasso dele. Nesse ponto de vista, eu tenho uma liberdade muito grande pra produzir. No ponto de vista da mídia eu acho uma relação extremamente boa do ponto de vista de que ela é muito contínua, muito frequente, muito permanentemente,  visto que eu faço uma quantidade de pelo menos… vinte, vinte e dois shows por mês. Nos mais diversos lugares do Brasil, e necessariamente nesses lugares eu entro em contato com rádio, jornal, televisão do local, e… confirmo o imenso sucesso de algumas canções que eu imaginava que fossem ficar restritas a um público mais sofisticado, mais selecionado, que se interessa especialmente pela MPB.

JM | Quais as dificuldades que você teve no início de sua carreira, até gravar o primeiro disco? Houve algum problema de censura?

B | Olha, eu tive todas as dificuldades que tiveram os companheiros de geração. Nós começamos a fazer música num período muito…complicado da vida politica brasileira, com censura, ditadura, de tal forma que eu acho que todas as dificuldades inerentes a um momento tão complicado, como é momento de ditatura né…foram as dificuldades que me envolveram, como a todos companheiros, não houve nenhuma coisa específica…assim ao meu trabalho. Todos nós sem exceção, éramos censurados. Não apenas os cidadãos comuns, mas aqueles como no caso dos artistas, tentaram expressar o sentimento e a emoção de muitos.

JM | Como você vê a música popular brasileira hoje?

B | Olha, eu sou fã incondicional da música popular brasileira… acho que ela é quem nos representa melhor, é o retrato mais fiel, mais preciso, da nossa alma lírica, e eu acho que a chamada música popular contemporânea, é aquela que continua a grande música popular de sempre! Continua os anos dourados do rádio, continua a música de Pixinguinha, Ari Barroso, de Tom Jobim, Cartola, Nelson Cavaquinho, de Paulinho da Viola, Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Edu Lobo, Geraldo Vandré, o pessoal da Bossa Nova… Então essa música é a música que continua me interessando ainda hoje. E essas outras manifestações, são manifestações mais efêmeras, são voltadas para o sucesso do momento, é uma música de verão, que…eu acho que tem seu lugar na preferência do público dançante, mas que eu acho que não tem muito interesse estético a ponto de despertar a minha curiosidade; eu sou um observador da cena, sei tudo que acontece, ouço esse tipo de música profissionalmente, mas não tenho interesse criador, ou estético nela.

JM | Como que é trabalhar no estúdio e fazer shows?

B | É muito fácil, muito simples, é o exercício diário da minha profissão. Eu sou um operário da minha música. Então, estou ligado no meu trabalho diário, diariamente. Acho… com a grande diferença do trabalhador comum é que eu gosto do meu trabalho. Eu gosto muito do exercício do meu ofício, porque ele combina o fazer com o prazer, e a criação assim com o exercício contínuo da vida comum, sabe… eu tenho uma visão artística ligada mais com o fazer, mais com o trabalho, com o  ofício, do que com a visão mais assim brilhante que também me parece mais tola.

JM | Como que é seu relacionamento com os fãs? Você tem algum fã-clube para divulgar seu trabalho?

B | Eu não tenho um fã clube assim estabelecido. Pelo menos que seja gerado aqui, vamos dizer… do meu próprio interesse ou do meu próprio empresário por exemplo. Mas, já tive notícia de que tem muitos fãs clubes aí… clube de fãs pelo Brasil todo, de tal forma que eu acho isso muito importante por que mostra o interesse permanente pelo trabalho.

JM | Conte pra gente um fato curioso ou até mesmo engraçado que aconteceu ao longo de sua carreira.

B | Tem muitas coisas aí… mas eu não me lembro no instante assim um fato curioso ou o mesmo engraçado que tivesse acontecido ao longo da estrada. Eu estou continuamente no exercício do meu ofício e claro que acontece assim… coisas especiais a cada dia sabe… mas eu vou esquecendo à medida que passa, porque no dia seguinte estou em outra cidade, são outros acontecimentos, são outras pessoas, outras circunstâncias.  De tal forma que eu procuro viver aquele momento e esquecê-lo ou então guardar para o livro das memórias…risos

JM | Existe algum projeto ou sonho que você pretende realizar?

B | Meu sonho continua sendo aquele do exercício do meu ofício, continuar cantando, continuar compondo até o fim da vida, que eu espero que seja longa.

JM | Como foi sua participação no Grande Encontro 3?

B | Bom, o Zé Ramalho,  Elba,  Geraldo,  são companheiros de longa data. A Elba já gravou músicas minhas, o Zé Ramalho também. Eu já gravei músicas do Zé Ramalho… de tal forma que nós fazemos assim, uma espécie de família artística nordestina em que… esses convites são bastante comuns e muito amigos sempre. Eu já tinha cantado no período do Grande Encontro 2, já tinha feito vários shows, com a Elba, com o Zé Ramalho, com o Geraldo, e agora no Grande Encontro 3 fui chamado também pra participar do disco.  E cantei, fui convidado especial do Zé Ramalho pra cantar com ele uma música que ele fez que é “Garoto de aluguel”, que eu também gravei num disco… num dos meus discos.

JM | No seu disco está “Taxi boy”, né?…

B | É… que é o nome original da música, “Taxi boy” e “Garoto de aluguel”.

JM | Para finalizar nossa entrevista, deixe seu recado, sua mensagem.

B | Olha… eu gostaria de ter uma mensagem muito concreta, assim muito direta, que pudesse salvar as pessoas… pudesse encaminhá-las. Mas eu mesmo não tenho essa mensagem sequer pra mim. De tal forma que eu não… eu acho que… não devem me seguir porque eu também estou perdido né… cada um deve ou fazer ou encontrar o seu caminho, e, sobretudo, o seguinte, não façam como eu, inventem!
Ou melhor,  façam como eu: inventem.

JM | Algum disco para ser lançado próximo?

B | Olha,  essa questão de lançar os discos, eu estou sempre fazendo os discos, e estou sempre lançando oportunamente. Então,  naturalmente que até final do ano eu vou…lançar um disco possivelmente com canções inéditas, e vou dar continuidade aos outros lançamentos, por exemplo, colocando em CD os discos que estavam em vinil,  que não estavam disponível para o público. Gravando… concertos ao vivo… enfim, fazendo o exercício cotidiano do trabalho, com registro e com apresentação ao público.

JM | Muito obrigado por sua entrevista!

B | Muito obrigado,
Muito obrigado! Continue conosco e com a música popular brasileira para sempre.


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Rádio Nacional | 1979 www.youtube.com/watch?v=z36_2900C-8


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Organização a cargo de Floriano Martins © 2017 ARC Edições
Josué Mariano é jornalista e escritor. Entrevista realizada em 2015
Artista convidado | Belchior (Brasil, 1946-2017)
Caricatura © Ricardo Alonso
Imagens © Acervo Resto do Mundo / Acervo particular Jorge Mello
Agradecimentos especiais a Graco Braz Peixoto, Jorge Mello e Josy Teixeira
Esta edição integra o projeto de séries especiais da Agulha Revista de Cultura, assim estruturado:

1 PRIMEIRA ANTOLOGIA ARC FASE I (1999-2009)
2 VIAGENS DO SURREALISMO, I
3 O RIO DA MEMÓRIA, I
4 VANGUARDAS NO SÉCULO XX
5 VOZES POÉTICAS
6 PROJETO EDITORIAL BANDA HISPÂNICA
7 VIAGENS DO SURREALISMO, II
8 O RIO DA MEMÓRIA, II
9 ACAMPAMENTO MUSICAL

A Agulha Revista de Cultura teve em sua primeira fase a coordenação editorial de Floriano Martins e Claudio Willer, tendo sido hospedada no portal Jornal de Poesia. No biênio 2010-2011 restringiu seu ambiente ao mundo de língua espanhola, sob o título de Agulha Hispânica, sob a coordenação editorial apenas de Floriano Martins. Desde 2012 retoma seu projeto original, desta vez sob a coordenação editorial de Floriano Martins e Márcio Simões.

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