segunda-feira, 7 de setembro de 2015

ZUCA SARDAN | Artista convidado


KAZIMIR PIERRE | As espirais mesmerizantes



FLORIANO MARTINS & ZUCA SARDAN | O cálice emborcado
TRAGICOMÉDIA SEM ATO FALHO



zzzzzzzucazzzzzzzzzzzz
DESEMBORCADO CÁLICE
Instante do fogo perene ao
nosso revisto afinal Juízo ou
entrançados versos nossos
com que criamos aquele de que
heresia melhor fonte não há
zzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz

FM | O modo de ver azucrina (cavalinho baio) quem pôs os olhos de lado evitando bispar a janela crescendo dentro da moldura da paisagem (trote modelado). A janela engole o sapo e a sapatilha da mundana realeza. Ficam de fora os guetos fingindo sindicância e os tonéis de esperança liquefeita tão azeda quanto as páginas da cartilha escolar.

ZS | A janela come a paisagem, a paisagem invade a casa com o sapo que pulou a janela. Diante da casa estaciona o caminhão com os tonéis vazios da esperança.

FM | Quem Dali saltou, do Botequim ao Teatro, não viu com quantas horas molengas se faz um atraso. O fato é que o cenário tem ficado desolado pela falta de compreensão de seu staff desconhecendo o ouro das minudências.

ZS | A arte de se atrasar pra não morrer atrás do trem, é contar as horas pelos relógios molengas de Dalí, de que os ponteiros são bigodes.

FM | E deixar o tempo espairecer um porco na sarjeta. Porcos não usam bigodes, porém sapateiam na frigideira. Uma navajo desafiou o trem a meter-se película adentro sem rasgá-la. Mal sabia que antecipava em anos o Armory Show.

ZS | Foi a mesmíssima Carmen Navaja que se meteu na frente do quadro de vidro do Duchamp. O Rei Nu, descendo a escada presto, tinha um alfaiate safadão, que lhe fez um traje invisível. Ele NÃO estava nu, descendo a escada. MAS…

FM | Escada abaixo o detalhe estava em não arranhar o assoalho, descer quase flutuando para que a realidade não desse por conta do quanto vinha sendo ludibriada. O alfaiate mantinha um séquito de rãs espertinhas para socorrer o REINO cada vez que houvesse conflito de interesses envolvendo membros do Clero.

ZS | Ninguém mais enganada que a Ready-Made Reality. As graçolas do Armory Show são as que mais sucesso fazem com a tifosada, e mais estrondoso prestígio trouxeram pros Mágicos Europeus. Pena que pelos finais dos 50s os artistas Yanques aprenderam o truque e… roubaram o show. E agora, Marcel?…

FM | Puseram todos a mesma viola em diversos sacos, e já não sabiam mais do paradeiro do fraterno diapasão eletrônico. Marcela saiu do campo, deixou a roça, instalou-se num muquifo na rua detrás. Viciada em éter, raiava o dia achando que a noite jamais voltara para casa.

ZS | Mas não precisamos nos preocupar: eles ficaram famosos, sucesso garantido, qualquer coisa que fizessem ou deixassem de fazer era o suprassumo da Arte. Uma roda de bicicleta, uma panela esquecida pela irmã na cozinha, o esparadrapo usado na ferida no joelho, o monte de graxa pousada na cadeira, tudo selecionado pelos Magos Conceptuais entra direto no acervo dos mais importantes Museus do Mundo.

FM | Os Magos se espalharam pelo mundo, abriram oficinas por toda parte onde davam cursos de como converter quinquilharias domésticas e lixo industrial em obras de arte. Instrumentos quebrados ganharam nova vida. Estética, afinação e outras prosas fartamente glosadas, incluindo a tabela periódica, tudo caiu em franco desuso. E todos, agora mais do que nunca, podiam se sentir como irmãos em um culto, salvos pela arte.

ZS | A Glória que é uma loira novidadeira adora a tranqueira das instalações. Mas Dona Posteridade, morena severa e carrancuda, protesta : "Ai, meus tamancos ! Que vou fazeire coesse lixo ?…

FM | Riem todos, até as pastorinhas gargalham, porém a adega está tomada de vinho azedo e as FALSAS FARSAS destroncam também a frondosidade de outros jardins quiméricos, povoados por letrinhas e uma antes imponente escala musical. O mundo todo na caminha da sessão Trash Maravilha.

ZS | Lotação esgotada. Avanço da tifosada. Alvoroço. Bilheteira desmaia.  Porrada no guichet.

FM | Não há acalanto para estas tristes cismas do macambúzio Dr. Destino, sempre traído em seus panos esvoaçantes. Da última vez disse que por ali não iria mais, e saiu a buscar novas formas de deriva, quem sabe na ciência, essa donzela fugaz que há muito perambula pelas ladeiras de além-mar, sempre outra, nunca a mesma.

ZS | Mais careca que o Faraó… é a bela Nefertite… Mais fornidos d'alcatrão… os charutos da Esfinge…

FM | Os dias vão se empanturrando de fartos saberes iludidos e outros truques longitudinais. Confundem-se pança e corcova do tempo. Nefertite, minha santa, por um balcão sai um rato, por outro entra um morcego… Do alto da casa é que vemos a noite querendo aconchego…

ZS | Quando Michel, o sineiro da Notre-Dame, faz suas acrobacias na corda, as beatas babam. É preciso eletrizar o cotidiano com a Magia da Arte. A Ciência  pros Cus-de-Ferro, o Tutu pros Banqueiros, a Poesia  pros Vates.

FM | Vai direto, Sataninha. Prepara a goma pro banquete, que a pajelança não se atreva a negar o melhor cauim. Desmontemos o tutu. Um banho de mica bem fervida na bundinha  dos oráculos. A Poesia que trate de valer o vintém que nós num tem.

ZS | Poesia é mais pobre que rato de igreja.  O Romance sim, é rico, é gordo, é forte. Até os milhoitocentos e tal, o Poeta ainda tinha sua capelinha, era convidado pro sarau de belas  Peruas-Chiques de balangandãs e peitão estufado ...

FM | Agora os matreiros passam a tabuleta raspando as sobras da lei de proteção ambiental às metáforas da corte. Baixelas e baixarias para os pedigrees de proveta. Estufe a córnea quem quiser ler. Hoje as letrinhas ficaram tão magras que já não põem uma frase em pé.

ZS | Não pode haver proteção ambiental sem proteção à pasteurização mental globalizada. A própria revolta foi absorvida e pasteurizada. O-Ro-Rooooooo ...

FM | Créus e incréus batiam cabeça entre si, e a Madonna recém empossada, do alto posto em seu carro alegórico, entoava um mantra umbilical! Salve a Rainha! Esta festa não tem mais fim…

ZS | Nota-se ultimamente no Louvre  uma fila agitada do outro lado do muro onde está exposto o retrato da Gioconda. (O arquiteto Xeval abriu no muro uma janelinha donde vê o Bundão da Gioconda.)

FM | Enquanto isto permanece hermeticamente lacrado o Grande Vidro de Duchampelion, sob suspeita de haver ali um ninho de ready-made dotado de alta inclinação retiniana.

ZS | Ocorreu nova racha no Vidro do Duchamp. Esta racha, graças ao Vidraceiro, poderá ter efeito benéfico sobre os mais esclarecidos do público, que poderão reconhecer que eles estavam sendo preconceituosos ao recusar a Arte Conceitual e passarem a adotá-la. Há sempre o perigo de que a possam porém banir de modo brutal e eficaz; ou a transformar numa ideia aceitável, e a sublimarem. É preciso que o Vidraceiro vença a resistência que patrulha, de sentinela avançada, a porta da esfera consciente. Uma vez engajado, o noviço torna-se um fanático fiel.

FM | É um velho dilema: o que fazer com a fábula quando as uvas estão em falta ou quando a pequena tartaruga se recusa a competir com a lebre? O Vidraceiro bem podia ter percebido que frente a certos vícios de linguagem não há fanático que resista. Bem feito que a temperatura tenha chegado até aqui: um imenso pátio de estoque das mais variadas caixas, pretas e brancas, e nenhum comprador interessado.

ZS | Os compradores só se interessam, e loucamente, pelos ovos das galinhas chocolateiras do Coelho Pascal. E tudo mais é literatura. Mas as galinhas chocolateiras entraram em greve!! Pascal desesperado prensou o galo. "Você agora que se vire e bote ovos de chocolate." / "Mas eu não sou galinha, não boto ovo." / "Não faz mal, você bote lá o que possa e embrulhe em papel celofane. O Comércio não pode parar."

FM | E foi assim que desde então perdeu valor no mercado as coisas que são apenas o que são. A verdadeira alegria comercial e o gozo dos feirantes se especializaram em vender lebre por gato. Não importa o que o público queira, a ele será dada sempre a ilusão de outro querer.

ZS | O pior cego é o que tapa o olho furado.
O melhor feirante é o que vende urubu por peru.
O melhor freguês é o que quer ser enganado.
O melhor consumidor é o que quer virar
seu próprio artigo que some no uso.
Esta era a grande fascinação do cigarro.

FM | Cada tolo à sua maneira emborca
o cálice antes ou depois do uso.
Columbo - Calombo – Colombo
De qual dos três será o ovo enfrascado?
O ditirambo afinal será apenas um
dos ecumênicos pecados da gula!
Esta é a grande satisfação do pigarro.

ZS | A Arte de Vender é saber empulhar o Povão. Pra valorizar artigos de cama e mesa, o Vendedor bota montes de travesseiros num vasto tabuleiro no palco… recita trechos do Paraíso Perdido, de Milton…  e rola por cima dos travesseiros como se fossem Nuuuuveeens…  Sucesso garantido… avanço do povão em delírio… estoque esgotado…

FM & ZS | Quem arrisca um melhor preço?



CAI O PIANO





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ZUCA SARDAN. Veteraníssimo vate, nasceu no Rio de Janeiro, em 1933. Canhotão, quebrou várias ânforas thrácias de Tia Olga. Viu o Zeplin sobrevoar o Pão de Açúcar, procurando pousar no Cassino da Urca. Primeiríssimos desenhos calcados nas fotos de jornais, truque sacado d'A Manhã, pasquim do Barão de Itararé. Primeira poesia, a partir de narrativa da professora,"o Macaco e o Violão Cego". Rapazola preguiçosão, em vez de ler Drummond e Cabral, inspirou-se em Baudelaire e Carlos Gardel. A seguir, admirador de Jarry e Salvador Dalí, tornou-se por conta própria, Pataphysico e Surrealista.

Os livros do vate:
Cadeira de Bronze (gráfica FF Saldanha , Rio de Janeiro,1958)
Le Visage de Tuli (ED: Les Nouveaux Cahiers de la Jeunesse, Bordeaux, 1959)
Sonatina Inachevée (graf.. Capitaine Fantôme, Paris, 1959)
O Dragâo de Rodas (graf. Wesley Duke Lee, Sâo Paulo, 1964)
Bebhè-Gomâo Anuncia (ed. Soeli, Rio de Janeiro, 1968)
Poemas Zum (graf. Helder Moraes, Tokyo, 1969)
Aqueles Papéis. (ed. Capricho, Rio de Janeiro,1975)
Os Mystérios. 1979 (graf. Zuca, Washington, 1979)
Visões do Bardo. (graf. Zuca, Washington,1980
Osso do coração. (Editora da Unicamp, Campinas, SP, 1993)
Ás de colete. (Editora da Unicamp, Campinas, SP, 1994)
La muerte mi violetera. (ed. La Torre Magnética, Madrid, 1998)
Cartas portuguesas (ilustraciones zuca, ed. La Página, Tenerife, 1998)
Eletrogramas  (ed. Moby Dick, Rio de Janeiro, 2001)
Babylon. Mystérios de Ishtar (Companhia das Letras, Sâo Paulo, 2004)
Ximerix. São Paulo (Cosac Naify, Sâo Paulo, 2013)
Voe no Zeplin, (Maria Papelâo ed., Sta.Maria/RioGr.Sul,Br, 2014)
Xorok Kopox, (VentoNorteCartonero,StaMaria/R.Gr.Sul,Br,2015)

Kazimir Pierre. Pintor e ensaísta, nascido em Pedro do Rio, RJ, em 1948. Desde muito cedo demonstrou inclinação para as artes, sendo considerado um menino-prodígio. Aperfeiçoou-se na Escola Nacional de Belas Artes com bolsa do governo. Participou do Primeiro Salão Nacional de Artes Plásticas, em 1966, obtendo menção honrosa. Possui volumosa produção escrita sobre estética, história da arte e filosofia. Até recentemente deu aulas de inglês no Colégio Pedro II (Centro, RJ), mas quase sempre ganha a vida com o trabalho de revisor.


Floriano Martins (Brasil, 1957). Um dos diretores da ARC. Página ilustrada com obras de Zuca Sardan e Floriano Martins




Um comentário:

  1. Saibam que, há umas semanas, foi fundada na Holanda a revista Zuca, com o objetivo de divulgar a literatura lusófona nos Países Baixos e na Bélgica. O nosso grande vate deu o seu nome à revista digital (com 2 números em papel por ano).

    www.zuca-magazine.nl

    Harrie Lemmens



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