terça-feira, 4 de julho de 2017

AGULHA REVISTA DE CULTURA # 99 | Junho de 2017 | Editorial


● A pronúncia esquecida da realidade

Estamos à véspera de nossa edição # 100. Este mês aproveitaremos para reorganizar o acesso geral aos números mais recentes. Planejamos ainda a criação de uma página com nosso índice geral, não apenas o primeiro cento de maravilhas, como também as edições paralelas que tratamos por séries especiais, os catálogos dos selos ARC Edições e Sol Negro Edições. Com a ruína da política, o fracasso da arte e a debacle da economia, aproveitamos nosso editorial para reproduzir uma resenha de Lúcio Carvalho dedicada ao livro Democracia tropical, de Fernando Gabeira. Lúcio Carvalho é autor de A aposta, Inclusão em pauta, Duas chaves para Antônio e do blog Em Meia Palavra. Tem atuado como editor e articulista em revistas culturais, portais, agências de notícias e veículos de imprensa. Escreve ficção, poesia e crítica literária. E-mail: lucioscjr@uol.com.br. Esta resenha foi publicada na revista Amálgama (https://www.revistaamalgama.com.br/), dirigida por Daniel Lopes, a quem agradecemos pela autorização de sua reprodução, à qual acrescentamos uma breve nota final. 

***

LÚCIO CARVALHO | A democratização e o impeachment por Fernando Gabeira

O lado bom de resenhar um autor muito conhecido é que qualquer apresentação da pessoa é desnecessária e pode-se passar diretamente à obra em questão. Este é justamente o caso de Fernando Gabeira e seu novo Democracia tropical. O livro, que reúne a recente crônica política publicada por Gabeira na imprensa brasileira e o seu caderno de notas, é o décimo segundo do jornalista, ativista e ex-deputado federal.
Tomando como pontos de inflexão a redemocratização a partir da anistia, em 1979, e o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, em 2016, Gabeira unifica a reflexão de quem viveu a luta armada e o combate à ditadura militar e o desfecho político do processo de consolidação da alternativa de esquerda no poder. Uma vantagem, se é que se pode chamá-la assim, de Democracia tropical em relação aos recentes lançamentos editoriais sobre o impedimento de Dilma, é o fato de que suas análises estão calcadas no trabalho jornalístico e na observação dos fatos no calor dos acontecimentos. Quer dizer, não se trata de um trabalho que visa justificar quaisquer condutas políticas, mas tão simplesmente esmiuçá-las como quem examina o tempo presente e seus atores, tão bem conhecidos dele mesmo pelo tempo em que esteve envolvido na política partidária e por ser um cronista das desventuras do poder no Brasil desde, pelo menos, meio século.
O livro poderia ser tranquilamente dado como pessimista, e isso não porque ele faça previsões tenebrosas a respeito do futuro político brasileiro, mas por ter podido confirmar as piores expectativas que vêm sendo reveladas nos últimos anos. Para o autor, a dinâmica democrática foi colocada em risco justamente porque o projeto de esquerda tornou-se nominal e apartou a política do social, configurando-se por moldar-se rapidamente aos principais núcleos de corrupção existentes. A corrupção, segundo Gabeira, é tanto o elemento de aglutinação de uma política deteriorada quanto o fenômeno pelo qual a sociedade pode depurar-se, caso aceite enfrentá-la sem reservas e exceções.
Em linhas gerais, isto é o que mais importa dizer a respeito do livro, mas ainda há mais, porque o seu texto, diferentemente da historiografia acadêmica ou da ciência política, está mais amparado na experiência do que na coleta de impressões ou na organização de fatos isolados. Além disso, Gabeira empresta à análise dos fenômenos políticos recentes a profundidade que falta aos trabalhos, digamos, hagiográficos que têm por efeito enaltecer o heroísmo da classe política e de seus exemplares. Pelo contrário, a história que Gabeira constrói não é narrada, mas flagrada nos sucessivos tropeços e muitos passos atrás que os projetos políticos costumam dar no Brasil, sejam protagonizados pelo PT, PMDB ou PSDB, partidos que dominaram o cenário nacional nas últimas décadas e cujas figuras máximas reuniram-se melancolicamente, em tempos recentes, na posição de investigados da operação Lava Jato.
Melancolia e não heroísmo, portanto, é o substrato das crônicas de Gabeira. Poderia ser enquadrado até como peça trágica, pois afinal não se trata de uma obra de ficção. A tragédia do real, apesar de tudo o que se diga a seu respeito, é a de sempre fazer-se sentir na vida mais imediata das pessoas e também na credibilidade das instituições democráticas. Contra o sentimento generalizado de falência e de embretamento, Gabeira consegue ser por ele mesmo alentador, já que não está nem nunca esteve conformado pela “governabilidade” e, ainda que não seja nem pleiteie ser um entreposto da unanimidade, é dos raros jornalistas que procuram manter uma visão límpida da história política e dos acontecimentos recentes. Para quem pensa ainda nos termos de “nós contra eles” ou outras dicotomias igualmente simplórias, talvez seja bastante difícil ou forçoso localizar nele qualquer traço de identificação ideológica. Isso importa pouco, porque de quem foi compelido a limpar de e em si mesmo os vestígios e ranços a que tantos se apegam como se conteúdo fosse, apenas se deveria exigir clareza e tranquilidade, e isso é o que não falta nas análises e registros do seu livro.

***

Esqueçamos o bolsão putrefato e viciado da política. Continuemos produzindo. A arte não deve, em circunstância alguma, depender do Estado. Sobretudo quando se trata de um Estado famigerado e corrupto como é o brasileiro. Chega de queimar energia com a hipocrisia política e midiática. A ralé do oportunismo não deve chegar-se a nós como um encosto. Vamos dar um chega pra lá e seguir trabalhando. Pode até ser que as novas gerações não aprendam nada acerca das relações impossíveis entre Arte e Política. Cabe, a cada um de nós, emborcar o recipiente fecal da política. Nenhuma bala. Nenhuma vociferação. Esquecer as hóstias carcomidas do mercado de artes. Parir apenas o essencial. Recriar a vida sem deixar-se dominar pelos fantasmas guardiões da fama e da conta bancária. Acima de tudo viver, e deixar que a arte seja o reflexo de nossa liberdade absoluta.

Os Editores

***

● ÍNDICE

ALICIA LLARENA | Agustín Espinosa: Lancelot 28º - 7º

CARLOS OLIVA MENDOZA | Erotismo, pornografía y felicidad

ESTER FRIDMAN | Quer a humanidade ser livre?

FLORIANO MARTINS | Valdir Rocha e o mito transfigurado

GABRIEL JIMÉNEZ EMÁN | Leonora Carrington y surrealismo novelado, por Elena Poniatowska

JORGE ANTHONIO E SILVA | A poética na esquizofrenia

MARIA LÚCIA DAL FARRA | Gilka Machado, a maldita

PEGGY VON MAYER | Volver la mirada a Ninfa Santos

RIMA DE VALLBONA | Indicios matriarcales en las comunidades chorotegas

SOFÍA RODRÍGUEZ FERNÁNDEZ | Homenaje a Max Rojas

ARTISTA CONVIDADA | TITA DO RÊGO SILVA | VIVIANE DE SANTANA PAULO | Tita do Rêgo Silva e o mundo fantástico, faceiro e colorido da xilogravura


*****

Página ilustrada com obras de Tita do Rêgo Silva (Brasil), artista convidada desta edição.

*****

Agulha Revista de Cultura
Número 99 | Junho de 2017
editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
logo & design | FLORIANO MARTINS
revisão de textos & difusão | FLORIANO MARTINS | MÁRCIO SIMÕES
equipe de tradução
ALLAN VIDIGAL | ECLAIR ANTONIO ALMEIDA FILHO | FEDERICO RIVERO SCARANI | MILENE MORAES
os artigos assinados não refletem necessariamente o pensamento da revista
os editores não se responsabilizam pela devolução de material não solicitado
todos os direitos reservados © triunfo produções ltda.
CNPJ 02.081.443/0001-80






4 comentários:

  1. Medellín, 4 de julio de 2017.
    Querido Floriano, un gran abrazo por estos 99 números, espero hacer parte del contenido del número 100 y celebrar… celebrar. Querido amigo, un magnifico esfuerzo el tuyo. Grande tu insistencia creativa y cultural en este mundo no siempre atento a la creación. Desde mi Medellín celebrando estos 99. [Omar Castillo]

    ResponderExcluir
  2. Muita coisa boa, rapaz... Mercy pela remessa.. muito que ler. Uma colega de Hamburg, a gravurista Tita, excelente, vista pela Viviane, minha amiga de Berlin, nossa boa poeta, e a Gilka Machado pela Lúcia Dal Farra... Já foi um bom começo. Agora falta a Eros Volúsia, dançando o Tico-Tico no Fubá (com as fotos, é claro...). Abraxxxxxxas [Zuca Sardan]

    ResponderExcluir
  3. FELICIDADES POR UN GRAN Y FECUNDO TRABAJO. ESPERAMOS CON GRAN INTERES ESE NUMERO 100. ABRAZOS GRANDES.
    EL PODER, PARA PODER, NECESITA MÁS PODER. [Saúl Ibargoyen]

    ResponderExcluir