segunda-feira, 3 de abril de 2017

Agulha Revista de Cultura | Fase II | Número 26 | Editorial


● A LÍNGUA, A REDE & O DOMÍNIO DA IMBECILIDADE


Não é mais a fé que nos pesca, mas a própria rede.

Ester Fridman

Esta edição de ARC elege um duplo editorial, pelo encontro coeso casual dos textos assinados por Floriano Martins e José Ángel Leyva, dois poetas parceiros em inúmeras atividades editoriais já há algumas décadas. Duas outras matérias, assinadas por Leda Cintra Castellán e Nicolau Saião, igualmente afinadas poderia constituir um editorial quádruplo. Também o que afirmam, singularmente, Ester Fridman e Jacob Klintowitz. Esta sinfonia de antenas regida pela magia da percepção torna algo especial este número 26 de nossa revista. Uma partitura que se completa com a valiosa colaboração de Alfonso Peña, Alcebíades Diniz Miguel e Maria Lúcia Dal Farra, um trio que, assim como os demais, já é parte de nossa imensa família. Sem esquecer a grandeza da obra plástica de Ana Mendoza, a quem pude entrevistar e cuja arte ilustra a totalidade desta edição. Vale ainda lembrar que atuamos na Net desde 1999 e que, somados os 70 números da primeira fase e os 12 números da entressafra em que a revista se chamava Agulha Hispânica, esta edição é, a rigor, a de número 108. E outra centúria nós garantimos que está a caminho.

Os Editores

FLORIANO MARTINS | A língua e a rede

As comunidades linguísticas são uma grande ilusão. Mas por vezes se definem por uma secreta reserva de totalitarismo. Comunicar-se em um mesmo idioma é uma vantagem de circunstância e não a base de construção de um mundo comum. Tampouco, por outro lado, o poliglota está apto a decifrar os grandes dilemas humanos. Comunidades linguísticas por vezes se investem de um falso carisma ao modo das comunidades religiosas. Ou de uma falsa solidariedade ao modo das comunidades científicas. Canadenses não se armaram de defesa linguística dividindo-se em face de seus dois idiomas oficiais.
O Brasil, a exemplo do Canadá e de todo o continente americano, era formado por inúmeros dialetos e durante os primeiros séculos de formação (não apenas de colonização) eram um ninho de múltiplos idiomas e dialetos, até o instante em que o Brasil se fecha em torno de um idioma oficial único, resultando hoje em um dos países com um intenso fluxo de desigualdade humana. Bom argumento em defesa da importância de expandir uma comunidade linguística além das fronteiras geopolíticas. O tema soçobra quando pensamos na América Hispânica, a maior comunidade linguística concentrada em um mesmo continente, sem que, no entanto, se tenha obtido ali o mínimo sinal de coesão social.
A União Europeia é um verdadeiro caldeirão linguístico, porém de algum modo foi o único espaço possível no planeta de acordo comum socioeconômico, ainda que repleto de falhas. A religião fragmentou a Europa infinitamente mais do que sua diversidade idiomática. A África é um caos social flamejante gerido pelos sucessivos saques da comunidade europeia, ou seja, a África continua sendo uma boa fonte de negócios da expropriação irrefreável. Os Estados Unidos da América, a começar pelo cinismo oportuno da própria denominação do país, são o único exemplo de um país colonizado que se tornou colonizador. Nem de longe pensou em erradicar o idioma de seus algozes ingleses. Ao contrário, dele se apropriou, o distorcendo de modo a simplificá-lo, empobrecendo-o, e impô-lo como moeda adicional a seus truques de conquistas. O gigantismo asiático também encontra na religião um fator de desagregação mais intenso do que na diversidade linguística.
Dos cinco países mais extensos do planeta o Brasil é o único cuja interferência linguística não constitui o menor empecilho para seu desenvolvimento. Não me refiro apenas a línguas oficiais. A comunidade espanhola nos Estados Unidos da América conforma um fator de risco para o funcionamento da máquina administrativa do país. O que não se dá com a comunidade japonesa no Brasil, uma das maiores do mundo. O idioma português foi disseminado pelo mundo sem que isto constituísse a conquista de uma unificação, nem mesmo idiomática. É bem outro o português que se fala parcialmente na Ásia, na África e na América, daquele que se mantém em sua matriz ibérica.
Do ponto de vista de sua expressão cultural a língua portuguesa é um curioso ninho de sociedades autóctones que não se comunicam entre si. Não há similaridades nas artes ou na cultura. Menos ainda um senso de infiltração, influência ou imposição. O mesmo se passa no caso do inglês, basta elencar países como Austrália, Estados Unidos e Escócia. O Caribe é um exemplo de região enfant terrible, onde as afluências linguísticas, por parte do período das colonizações, foram desmontadas e refeitas a bel prazer, de modo que são distintos, com acentos muito particulares, o francês, o inglês e o espanhol que ali se fala.
A religião despedaçou o planeta de modo mais incisivo do que a diversidade linguística. Há que reiterá-lo sempre. A ciência, mesmo a ciência da linguagem, opera de acordo com o ambiente em que se instala. A cultura será sempre a afirmação de certa alquimia de que os povos se utilizam para criar seus focos de identificação e diferenciação. A world wide web não é uma nova comunidade linguística. É, antes de tudo, uma formidável casa de encontros, onde são transparecidas as nossas mais singulares evidências, de todos nós, de todas as partes, não importa a língua que falemos.
Certa vez ouvi de um português que os brasileiros pusemos o idioma para dançar. Achei uma bela percepção do efeito de absorção da realidade. São muitos os acentos que se distinguem entre si que percebemos ao viajar pela América Hispânica. O argentino Jorge Luís Borges, criado em ambiente bilíngue graças à presença inglesa de metade da família, disse certa vez que os estadunidenses danificaram o inglês, o resumindo praticamente a uma verve monossilábica. Mas são dissonâncias que se misturam, que oras atendem pelo nome do preconceito, outras pelas inevitáveis variantes socioculturais. Há um caso que sempre o tenho na casa do admirável: o modo como Porto Rico, oficialmente parte dos Estados Unidos da América, resiste alimentando sua fantasia de país independente, e esta resistência, que encontra reforço visível no ambiente linguístico, para mim sempre esteve mais visível no fermento de sua cultura artística. O desastre político e econômico de Cuba não interferiu na grandeza de sua música. A música é a grande expressão artística de Cabo Verde e não há uma mínima relação possível com a tradição musical de Portugal.
Os exemplos se multiplicam à exaustão, como uma gangorra, onde afinal compreendemos que são outras as peças que compõem um lado e outro dessa mecânica das relações humanas. Agulha Revista de cultura, em momento algum, se preocupou com a deflagração de um palco afeito ou contradito a qualquer manifestação linguística. Antes de tudo tratamos de recordar que a world wide web não fala um idioma específico e menos ainda se interessa por romper os particularismos de cada idioma. Destacamos, portanto, que as artes não se afirmam pela defesa de uma comunidade e sim do livre arbítrio de uma personalidade.


JOSÉ ÁNGEL LEYVA | "La invasión de los imbéciles" en las redes sociales

Umberto Eco afirma, con mucha razón, que el tonto del pueblo tiene voz en los espacios cibernéticos como lo puede tener un Premio Nobel. Y sí, las redes sociales abren espacio a los imbéciles, como lo hacen los celulares o móviles y uno escucha en el espacio público las conversaciones más banales que se pueda imaginar. Todos quieren ser vistos y escuchados, desde el vendedor ambulante y el empleado más humilde hasta el Ministro de Estado. La tecnología democratiza la estupidez. No hablamos, gritamos. El espacio público, como internet, se ruralizan y cada quien, sobre todo en sociedades menos reglamentadas y corruptas como la nuestra (México—puede ponerse el país de su elección), la trasgresión y la imposición de verdades individuales son norma de la selva.
¿Los tontos salieron de los bares y entraron a eructar a las Redes Sociales? Quizás. Pero la imprenta también le dio la palabra a los imbéciles, como lo hizo la radio, la telefonía, el cine, y ahora Internet. La tontería o la trivialidad no podrán ser contenidas en un área restringida de la inteligencia comunitaria. El sentido común, la información, la sapiencia, y mucho menos la sabiduría tienen los mismos niveles de aceptación que tienen los tontos o "listillos" de la televisión. Por todos lados se escucha elevar el drama de una telenovela, de un Reality Show o de la vida futbolera a niveles de inteligencia superdotada. Los opinadores de Futbol son la materia gris del universo. La estupidez nunca ha tenido las puertas cerradas a los dominios del poder. Presidentes de Estado, ya no se diga monarcas, vienen y van dictando leyes y determinando destinos. La gente votará por los tontos para ocupar cargos públicos, les celebrará sus bufonadas, les dará categoría de iluminados.
La estupidez pues, no es privativa ni nació con las Redes Sociales, no es tampoco el régimen de la imbecilidad. Como la televisión, uno puede elegir o apagar. El problema entonces es que en esa elección, por extrañas razones, siempre gana la trivialidad, el exhibicionismo. Quizás la inteligencia debería de acampar más a menudo en los terrenos donde los tontos parlotean, gritan, se mueven con sus colores vistosos, se estacionan en doble o triple fila en las calles, se pasan los semáforos en rojo, dictan sentencias, extorsionan, tuercen las leyes, conducen naciones, incluso escriben libros.
Los tiranos escriben poesía, los fascistas son tiernos con sus hijos, el avaricioso da la vida por su perro, los defensores de animales piden la pena de muerte, y en las redes sociales se elogia la “belleza” antes que la inteligencia. Los buenos deseos en Facebook nada tienen que ver con las acciones, la pasividad y el narcisismo carcome las entrañas de quienes no ven o no quieren ver que, mientras tanto, unos pocos deciden sus destinos, que la virtualidad no es virtud ni el “amigo” es entrañable, que el humor no es carcajada, ni el chiste es ingenio. Las redes sociales son un instrumento de comunicación y de esparcimiento, de lucidez o de babeante pasatiempo. Son prisión mental o puerta de acceso a otras conciencias. No hay instrumentos buenos y malos, para idiotas y para sabios, el conflicto empieza en el uso, en su intención, en la ausencia de responsabilidad de quienes dejan en manos de los “listos” las herramientas de la enajenación. ¿Pero es entonces que los sabios dejaron de pensar, de cuestionar, de ironizar, de ver y de escuchar, de aprender?
Durante siglos, El Quijote de la mancha fue un libro intrascendente, una humorada popular que escocía el paladar literario y filosófico de más de un hombre iluminado. En la calle, en la muchedumbre, en lo popular, en el argot, en la asquerosa realidad con sus vomitivos contenidos televisivos, en la banalidad cotidiana, en los “like” y en los “guapísima (o)” de las redes sociales, en las dosis mínimas de genialidad de los twiteros hay lo que cualquier persona inteligente puede convertir en materia gris, en sustancia reciclable para pensar de otros modos. Si los imbéciles se apoderan de los espacios y de los instrumentos de comunicación es porque la inteligencia se declara incompetente. No hay obra trascendente, no hay memoria que no abreve en esas tumultuosas corrientes de apariencia tonta, en esos espacios de parloteo y de ruido, de leyenda, de oralidad. No es el elogio de la trivialidad y la estupidez, sino la defensa de un espacio donde también pueden darse cita los que piensan.

Zigmunt Bauman pone el dedo en la llaga cuando advierte que las redes sociales son –no dice pueden ser–, una trampa porque crean sustitutos de la comunidad, una falsa idea de la amistad y del activismo, un entretenimiento en el que nadie se mueve. Como le decía hace poco a un amigo que se dedica a la crítica literaria cuando apareció su foto junto a un artículo suyo. Nadie le expresó algo sobre la inteligencia vertida en su escrito, nadie elogió su agudeza mental, la mayoría manifestó que se veía guapo. La seguridad se apoya más en la idea de lo físico, en la apariencia, que en las ideas. Por ello es más fácil que el sujeto solitario que busca compañía y el eco de sus deseos represente el papel del actor ante su espejo: espejito espejito, dime quién es el… o la más… Si alguno de sus “amigos” disiente, si manifiesta lo que piensa o lo que cree y es contrario al eco esperado, el dueño de esa cuenta y de ese conjunto de nombres denominados “amigos” pasa a ser personan non grata y por tanto es borrado o eliminado. La intolerancia es entonces el símbolo más visible del individualismo y del confort “intelectual” que busca la mayoría de quienes no desean pensar, discutir, debatir, interactuar, pero sobre todo, pensar.


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ÍNDICE

ALCEBÍADES DINIZ MIGUEL | De analogias e do perpétuo choque da realidade (sobre Avalon Brantley)

ALFONSO PEÑA | Omar Castillo: cantata en los filos de la ciudad

ESTER FRIDMAN | Viagem através da linguagem – uma genealogia dos opostos

FLORIANO MARTINS | Max Harris e os pinguins mais irados da terra

JACOB KLINTOWITZ | Quantas vozes tem a humanidade?

LEDA CINTRA CASTELLÁN | A saga dos autores falecidos, seus herdeiros e editores

MARIA LÚCIA DAL FARRA | Novas Cartas para as Damas. Leitura de A Dama e o Unicórnio, de Maria Teresa Horta e de Vozes, de Ana Luísa Amaral

MARIA LÚCIA DAL FARRA: Um serviço de poesia: o Ofício e as Servidões de Herberto Helder

NICOLAU SAIÃO | A realidade do livro

SUSANA WALD | En busca de Laurette Séjourné (Inicio de un primer borrador)

Artista convidada | ANA MENDOZA | FLORIANO MARTINS | Ana Mendoza: el arte en movimiento





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Página ilustrada com obras de Ana Mendoza (Venezuela), artista convidada desta edição de ARC.

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Agulha Revista de Cultura
Número 96 | Março de 2017
editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
logo & design | FLORIANO MARTINS
revisão de textos & difusão | FLORIANO MARTINS | MÁRCIO SIMÕES
equipe de tradução
ALLAN VIDIGAL | ECLAIR ANTONIO ALMEIDA FILHO | FEDERICO RIVERO SCARANI | MILENE MORAES
os artigos assinados não refletem necessariamente o pensamento da revista
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